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O momento brasileiro não é crítico, é acrítico, o que é muito pior. O clima atmosférico mortiço, imprevisível, típico do final de verão, transferiu-se integralmente ao ambiente político

Confronto futebolístico emblemático, o clássico Flamengo versus Fluminense deixou os gramados para entrar na retórica como representação do antagonismo exacerbado. Polarização secular que não leva em conta que esses irreconciliáveis adversários são irmãos: o Flamengo foi criado a partir de uma dissidência do Fluminense. Tal como na história de Eva e Adão, o Fla é fruto de uma costela do Flu. E, não obstante, guerreiam-se furiosamente.

Não é muito diferente o caso das três religiões monoteístas que, apesar das disparidades, rancores e do sangue derramado, descendem da mesma árvore, o judaísmo. Do antigo MDB nasceu o PMDB e dele o PT e PSDB. "Gregos e troianos" usualmente apresentados como opostos, não deixam de ser essencialmente gregos.

Conflito é engano: o outro é um mero pretexto que, para ser devidamente diferenciado, precisa passar pelo processo de diabolização. Se admitimos que o estabelecimento de incompatibilidades é um processo artificial, cômodo, destinado aos impacientes que não querem perder tempo com o trabalho de persuasão, descortina-se diante de nós uma formidável agenda de aproximações.

O momento brasileiro não é crítico, é acrítico, o que é muito pior. O clima atmosférico mortiço, imprevisível, típico do final de verão, transferiu-se integralmente ao ambiente político. Impera a imprecisão. Os papéis estão trocados: o governo gostaria de realimentar a sensação de bem-estar dos dois últimos anos, porém atrapalha-se porque afinal percebe que não sabe quem é a sua turma.

Michel Temer, o vice-presidente da República, é governo ou oposição? Neste momento, só lhe cabe a tarefa de fazer gol contra. E o faz à perfeição, embora a contragosto, certamente preferiria desempenhar o papel do cardeal Richelieu.

Já a oposição propriamente dita aturdida pelos preparativos para a próxima disputa eleitoral em São Paulo, ainda não conseguiu enunciar as suas discordâncias com os federais no campo econômico, institucional, nas relações internacionais e até mesmo no tocante aos desafios proporcionados pelos eventos esportivos internacionais dos próximos anos. Mas quem é oposição – Aécio Neves ? O neto e herdeiro político do sagacíssimo Tancredo Neves só consegue opor-se ao arquirrival no próprio partido, José Serra.

O quadro europeu é ainda mais precário já que 25 dos 27 estados membros da União Europeia subscreveram um tratado de austeridade agora veementemente rejeitado pela oposição social-democrata liderada pelo candidato François Hollande (no momento, o vencedor nas sondagens eleitorais na França). A recuperação europeia é boa para todos, sobretudo para os emergentes, mas está sendo um pesadelo para os europeus.

Com quem devemos nos solidarizar? E nos EUA, insistimos na cantilena anti-ianque enfraquecendo o presidente Obama para fortalecer o feudalismo, o fanatismo e a intolerância do Tea Party? Se na Europa queremos ser vistos como somos progressistas porque não na América?

Nesta frouxidão generalizada, é hora de rever pertencimentos, adversários. Hora de ousar aproximações. O Fla-Flu pode ser mais empolgante sem a preposição latina versus.

Alberto Dines, jornalista

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