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Passadas apenas algumas semanas de 2016, o mercado começou a sentir o impacto produzido pela reforma do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A Emenda Constitucional 87, de 16 de abril de 2015, passou a vigorar no dia 1.º de janeiro. A data que para muitos significou renovação e esperança para outros se tornou uma preocupação.

O panorama atual é, supostamente, resultado da reivindicação dos governos de vários estados pela partilha do ICMS entre a origem e o destino de um produto ou serviço. Até o dia 31 de dezembro passado, a mercadoria comercializada entre estados tinha todo o seu ICMS recolhido para o estado de origem, independentemente do estado de destino. A partir da entrada em vigor das novas determinações, a alíquota do ICMS interestadual deveria ser calculada pela média entre a alíquota interna e a interestadual do estado de destino.

O grande empecilho desta nova forma de recolhimento do imposto está no fato de que cada estado brasileiro estipula sua alíquota-base, dificultando neste ponto as transações interestaduais. E, não bastasse a variação de alíquotas, o recolhimento deste imposto passaria a ser realizado quase que de forma artesanal pela empresa no estado de origem, para que então se possa emitir a nota fiscal do produto comercializado. O comerciante deve fazer todos os cálculos com base nas alíquotas variáveis para cada estado, emitir as guias manualmente no site da Receita do estado de destino, indicando o código verificador da nota fiscal, e somente após pagar esta nota poderá enviar a mercadoria.

Apesar de parecer simples, este procedimento demonstrou ser o carrasco de uma emergente modalidade de comércio, vista por muitos como a nova realidade do mercado nacional: o comércio virtual, ou e-commerce. Desde o início do novo regime de tributação, muitas empresas foram surpreendidas pelos efeitos práticos, e a reforma veio a implicar num resultado desagradável, o fim prematuro dos pequenos e-commerces.

O cidadão comum se vê imerso em uma sociedade estabelecida pelo Estado para apagar a riqueza

O procedimento, notadamente burocrático, é realizado de forma individual para cada transação de compra e venda efetuada. É incontestável a dificuldade para o proprietário de uma loja virtual, que muitas vezes administra e conduz sozinho seu negócio, efetuar o recolhimento do ICMS para cada venda e ainda realizar com presteza e agilidade as tarefas vitais para bom desempenho do negócio – como pronto atendimento, preparo adequado e envio rápido e seguro dos produtos.

Uma pesquisa realizada pelo Sebrae no início de fevereiro, com 535 e-commerces, demonstrou resultados expressivos e alarmantes. Cerca de um terço das companhias optou por suspender as vendas logo após o início das novas regras de cobrança do ICMS. Destas 535 empresas, 25,2% informaram a paralisação de vendas para outros estados e 8,7% interromperam integralmente as atividades em razão da extrema dificuldade em manter o negócio ante as dificuldades financeiras e administrativas relativas à alteração das regras.

Não é difícil imaginar que os empresários que insistirem na manutenção de seu negócio virtual possivelmente enfrentarão a necessidade de contratar novos empregados apenas para dar conta de todo o procedimento burocrático que envolve a emissão e pagamento de guias, tendo ainda de repassar todos os custos de manutenção ao preço final de suas mercadorias (o que incorreria na inevitável queda do número de vendas e, muito provavelmente, na completa inviabilidade de manutenção do negócio). O que de início era a facilidade de não ter uma sede física para realizar a atividade empresarial, pela simplicidade da modalidade de comércio, agora se torna uma complexa atividade de gestão de compras e vendas.

É notável que esta medida não atinge com o mesmo impacto as grandes lojas de comércio on-line que têm condições de criar e manter departamentos específicos para executar tais funções, o que por fim implica a diluição desses custos entre incontáveis compras e vendas mensais. Mas não há como se enganar, pois ainda assim o impacto será sentido pelo consumidor. Com a ausência de pequenas lojas, e a certa continuidade da busca pelos produtos, a velha lei de regência do mercado – a oferta e procura – vai se encarregar do aumento exponencial dos preços em um meio que, então, se verá completamente isolado de concorrência. Precisou de pouco tempo para que, ainda em janeiro, dezenas de pequenas, porém conhecidas, lojas virtuais informassem o fim de suas atividades.

O fim dessa era remete ao Big Brother, da ficção de George Orwell 1984: o cidadão comum se vê imerso em uma sociedade estabelecida pelo Estado para apagar a riqueza. É desse modo que o atual Estado brasileiro, que vivencia uma decadência de escândalos de corrupção e momentos de extrema fragilidade política, acaba por ceifar a vontade de inovação de seu povo, dificultando a capacidade do empreendedor individual de se reinventar e buscar crescer no hostil meio empresarial.

É visível que o grande reflexo da nova forma de tributação será o triste fim dos e-commerces. Esse impacto poderia ter sido minorado se o legislador tivesse aproveitado um fator importante: a Receita/Fazenda possui todos os dados das notas fiscais eletrônicas emitidas no país, de modo que poderia se estabelecer uma forma muito mais simples de fazer a partilha do valor recolhido na forma de ICMS, na qual cada estado somaria os valores das notas emitidas para os outros estados e providenciaria o repasse dos valores recolhidos. Mas será que a ideia motriz dessa reforma é somente repassar o imposto recolhido aos estados de destino? Em que pese, ainda, o surgimento de serviços que buscam automatizar a emissão das guias, todos os gastos adicionais serão repassados ao contribuinte – não bastasse uma miríade de impostos recolhidos diariamente.

Apesar do cenário de perplexidade, pelo menos por enquanto os que fazem o recolhimento pelo Simples Nacional podem respirar aliviados, pois, em uma recente decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli suspendeu o recolhimento desse diferencial de alíquotas do ICMS nas vendas interestaduais para os consumidores finais. A nova regra foi questionada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.464. Tal liminar destaca que a medida fere o tratamento diferenciado a que empresas do Simples devem estar sujeitas, pois, além de sua alíquota unificada, teriam de recolher também o diferencial de alíquotas, ressaltando ainda que tal alteração deveria ser feita somente por lei complementar.

Esta liminar ainda deve ser submetida ao crivo do plenário do STF, mas não há data para que isso ocorra, bem como para a análise do mérito da ação. Enquanto esse ponto pende de decisões solidas, diversos e-commerces não veem meios alternativos além de suspender as atividades e paralisar as vendas para fora de seus estados.

Tal situação possivelmente não é definitiva. Afinal, muitos pequenos empresários e empreendedores atualmente vivem do trabalho dessa modalidade comercial. Muito provavelmente haverá uma grande queda de circulação de produtos até que o comércio virtual possa se adequar a esta nova situação, ou venha a deixar de existir da maneira como o conhecemos.

Eduardo Rodrigues é advogado e atua no setor de direito tributário.
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