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O presidente Lula é, entre tantos méritos, o grande pauteiro do debate nacional. Cada discurso, escrito ou improvisado – e eles são diários, incessantes – acio­­na uma salutar controvérsia mesmo quando motivada por impropriedades.

Na quinta-feira, em Floresta, sertão pernambucano, para onde se deslocou para inspecionar as obras de transposição das águas do rio São Francisco, Lula pontificou sobre os organismos internacionais, a propósito da recondução do Brasil (pela décima vez) ao Conselho de Segurança da ONU. Ainda impelido pelo triunfo olímpico em Copenhague, o presidente proclamou que "a ONU está superada" e que o Conselho é "como uma fruta madura", prestes a cair.

Ora, se a ONU está superada o Brasil não deveria fazer tanta força para conquistar uma vaga permanente no seu órgão emblemático. Menosprezar a ONU é contrariar o multilateralismo e as grandes ententes reguladoras internacionais. Quem insistia na tese de que a antecessora da ONU, a Liga das Nações, estava superada, era Adolf Hitler que, assim, sentia-se à vontade para destroçar todas as suas convenções.

O Conselho de Segurança continua ímpar, insubstituível, embora a sua composição esteja datada. Parou no tempo: quando a ONU foi criada em 24 de outubro de 1945, há 64 anos, o mundo foi partilhado entre os vencedores da Segunda Guerra Mundial: EUA, URSS (hoje Rússia), Reino Unido, França e China que constituíram o núcleo permanente do Conselho de Segurança e habilitados a usar o poder de veto.

A derrubada do generalíssimo Chiang-Kai-Chek pelo revolucionário Mao Tsé-tung levou muito tempo para ser assimilada até que o refúgio de Taiwan fosse formalmente substituído pela China continental. Outras imperiosas alterações no quadro institucional jamais foram implementadas, caso da exclusão dos gigantes econômicos Alemanha e Japão, derrotados na guerra e da emergência na Ásia, África e América Latina de novas potências como Índia, África do Sul e Brasil.

Apesar das flagrantes injustiças, o Conselho de Segurança continua como instância permanente, insuperável, comprometido com a segurança coletiva e a manutenção da paz. Suas recomendações e resoluções são às vezes ostensivamente desconsideradas, mas quando isto acontece fica o registro e este registro pesa diante da possibilidade de sanções econômicas.

A metáfora da fruta madura prestes a cair e apodrecer é de uma rara infelicidade. No mo­­mento em que o rodízio dos assentos temporários do CS favorece novamente o Brasil e torna-se evidente a necessidade de uma reengenharia, essas bravatas são rigorosamente impertinentes.

Vexame maior no âmbito da ONU foi oferecido pela antiga Comissão de Direitos Humanos, posteriormente transformada em Conselho de Direitos Humanos, e o nosso país jamais estrilou. Mesmo quando o antigo órgão foi entregue ao Sudão, onde ocorria o genocídio de Darfur. A entidade substituta tem entre os seus 47 membros contumazes violadores como Líbia, China, Arábia Saudita, Cuba e Rússia e o presidente Lula não reclama. Entidades internacionais de direitos humanos têm denunciado o controle do novo Conselho de Direitos Humanos por um compacto bloco de nações cujas sensibilidades e compromissos estão a anos-luz da pauta humanitária. Lula não sabe, não viu.

Nosso presidente também erra ao considerar que o maior conflito no Oriente Médio é entre judeus e palestinos. Esta é uma colocação não apenas incorreta como perigosa. O conflito a que ele se referiu é entre israelenses e palestinos e decorre da sábia decisão adotada pela Assembleia-Geral presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha em novembro de 1947 de partilhar a Palestina em dois estados e aceita apenas por uma das partes.

O magistrado sul-africano Richard Goldstone é judeu e o seu relatório sobre a Batalha de Gaza, no fim de 2008, está provocando uma enorme controvérsia porque condena tanto o Hamas pelo uso intencional de foguetes contra populações civis em Israel como a desproporcional resposta de suas forças armadas.

Estas são frutas que o presidente Lula desconhecia talvez porque não foram cultivadas em seu pomar. Terá que prestar mais atenção a elas quando receber a visita do colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, que vem sendo seriamente advertido por diversas instâncias internacionais a permitir a fiscalização do seu secretíssimo e suspeito programa nuclear.

A ONU ficará efetivamente "superada" quan­­do os países membros esquecerem as suas responsabilidades no intervalo entre uma Assembleia-Geral e outra.

Alberto Dines é jornalista

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