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A imprensa nacional destacou a reunião em Belo Horizonte no último domingo quando 23 presidentes de seções regionais da OAB resolveram, por unanimidade, discutir no dia 8 de maio, a possibilidade do impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O termo impeachment significa obstáculo, denúncia, acusação pública através de um processo parlamentar cuja finalidade é a de apurar a responsabilidade de qualquer membro do governo, aplicando a penalidade de destituição do cargo ou função. A sua origem é inglesa e tem aplicação nos Estados Unidos como se pode verificar através do processo contra o presidente Richard Nixon pela invasão de escritório do Partido Democrata por interesse de opositores que dirigiam o Partido Republicano (watergate scandal). Para evitar a condenação à perda do cargo, Nixon renunciou (1974).

Em nosso país, o primeiro caso de impedimento de um presidente da República ocorreu com Fernando Collor de Mello, acusado de improbidade e falta de decoro. O movimento iniciou com uma reunião de juristas e advogados em São Paulo (agosto de 1992) e para a qual fui convidado. Lá estavam Miguel Reale Júnior, José Carlos Dias, Márcio Thomaz Bastos, Fábio Konder Comparato, Flávio Bierrenbach, José Gregori e Dalmo Dallari. Poucas semanas após, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa assumiram aquela grande causa popular e a petição de impeachment, assinada pelo bâtonnier Marcelo Lavenère Machado e pelo jornalista Barbosa Lima Sobrinho, foi dirigida à Câmara dos Deputados. Uma votação expressiva aprovou a abertura do processo que foi instaurado no Senado Federal, com acusação e defesa. Para se livrar da cassação do mandato e perda temporária de direitos políticos, o ex-presidente renunciou ao cargo. Mas aquela iniciativa não impediu que o julgamento prosseguisse com a condenação às aludidas penas.

Em agosto do ano passado, o Senador Jorge Bornhausen distinguiu-me com a solicitação de uma opinião legal sobre a possibilidade de ser aberto um processo de impeachment contra o presidente Lula. Ainda não havia a notável reação pública contra escândalos debitados ao governo federal. Respondi que a Constituição e a Lei n.º 1.079/50 poderiam, juridicamente, ser aplicadas porque a declaração feita pelo chefe do Poder Executivo, numa entrevista em Paris e transmitida para todo o Brasil, absolvendo sumariamente políticos que faziam uso do caixa 2 em suas campanhas, configurava um procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. E que constituía ato de improbidade administrativa qualquer ação violadora dos deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições. Mas ponderei também que politicamente havia diferença muito grande entre a figura do caçador de marajás e o presidente Lula. Enquanto aquele tivera uma trajetória recente na vida política do país, este chegou ao cargo máximo do país após um longo período de histórica luta em favor da grande massa de trabalhadores. E também salientei que o processo de impedimento iria prejudicar o bom funcionamento das comissões parlamentares de inquérito.

Mas é evidente que agora os advogados brasileiros podem e devem discutir este assunto. Uma fecunda e antiga luta em favor das liberdades civis, do Estado Democrático de Direito e da cidadania, autoriza os profissionais do Direito e da Justiça a analisarem – com responsabilidade e independência – os grandes temas nacionais. E o exame da conduta funcional do chefe da nação é um deles.

A Carta de Belo Horizonte, lida solenemente pelo bâtonnier Roberto Antonio Busato, afirma que "a luta pela ética na política não está vinculada a qualquer interesse partidário ou a qualquer outro que não o combate a desvios de conduta na gestão pública, que possam colocar em risco o regime democrático e as liberdades que o povo conquistou com tanto sacrifício na história recente do país".

René Ariel Dotti é advogado e professor universitário e foi um dos redatores da petição de impeachment do presidente Fernando de Collor (1992).

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