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Tudo ou quase tudo já se escreveu sobre a quebra da Varig e a desesperada tentativa de seus funcionários de manter a empresa viva. A autodestruição da Varig passará aos livros de administração como um caso ilustrativo e eloqüente do que acontece quando uma empresa de excelência, que durante décadas freqüentou merecidamente a galeria das grandes empresas mundiais de aviação, é gerida de maneira desastrosa para dizer o mínimo. Agora, milhares de funcionários que a fizeram um padrão de qualidade perderão seus empregos e seus ex-empregados, a tranqüilidade financeira duramente conquistada. Mas não adianta ficar repetindo esses argumentos que são mais do que conhecidos. Importa é analisar por que as tentativas de salvar a empresa não deram certo e o que virá pela frente.

As tentativas de salvar a Varig não deram certo por duas razões singelas, até simplórias: primeiro porque ninguém que realmente poderia assumir a empresa tinha qualquer interesse em comprá-la, pois era só esperar pacientemente que ela se deteriorasse definitivamente como está acontecendo, para que o filé mignon caísse de graça em seu colo. TAM, GOL e algumas empresas nanicas estão agora debruçados na partilha das linhas internacionais e nacionais que era a parte que realmente lhes interessava. Cruelmente, a Varig está experimentando na carne o mesmo processo que vitimou no passado a Panair do Brasil e a Real Aerovias, empresas aéreas igualmente destruídas por administrações irresponsáveis de seus donos, de cujos espólios foi a grande beneficiária quando o governo lhes cassou as concessões.

A segunda razão é que todos os que se apresentaram para "comprar" a Varig acharam que tinham descoberto a pedra filosofal e a mágica alquimista de transformar conversa fiada e imaginação fértil em ouro. Sem exceção, não tinham, ou se tinham não mostraram, capacidade financeira mínima e agiram apenas como corretores de esperanças à espera de que, na confusão geral, lhes sobrassem algumas migalhas. Mesmo o tal fundo Matlin Patterson, que reapareceu fazendo uma proposta pela empresa, não é um fundo de investimento poderoso como quer fazer crer. A Matlin Patterson Global Advisers é uma empresa relativamente pequena de "private equity", ou seja, que gere recursos privados de algum ou alguns investidores no valor de 2 bilhões de dólares, o que mostra que a Varig é grande demais para suas ambições. Além disso, a Matlin Patterson faz parte do que os americanos chamam de "vulture market", o mercado dos abutres, especializado em procurar empresas agonizantes para ganhar controle sobre elas e tirar algum proveito da carniça.

Agora, o "day after". O grande prejudicado daqui para a frente será o passageiro, que ficará sujeito a um virtual duopólio no mercado brasileiro, entre a TAM e GOL, cujos serviços, para os espíritos minimamente exigentes, não param de piorar: atrasos freqüentes, péssimos serviços de terra, um ar de bagunça generalizada propiciado pela virtual ausência de concorrência. Para evitar essa situação e restaurar um mínimo de respeito aos passageiros, seria necessário remover um enorme anacronismo da legislação brasileira, que é a proibição de que estrangeiros detenham mais do que uma porcentagem pequena do capital das empresas que exploram serviços aéreos no Brasil, uma concessão de serviço público. Cada vez que esse assunto vem à tona, ergue-se entre os interessados locais a bandeira da soberania nacional que deveria ser defendida, com a manutenção de seus privilégios garantidos pelo fechamento do mercado às empresas estrangeiras. Só não entendo – e acredito que muita gente não entenda também – é em que a soberania nacional estaria ameaçada se os passageiros brasileiros pudessem utilizar empresas de capital estrangeira em suas viagens domésticas. Já me falaram dos riscos de espionagem aérea e da utilização das empresas nacionais como fonte de treinamento de quadros humanos de modo a suprir a aviação militar num possível conflito externo futuro, mas nenhum desses argumentos pode ser levado a sério. O resultado dessa blindagem protecionista é evitar que um mercado em explosão, como o brasileiro, crescendo a 15% ou mais ao ano, atraia empresas aéreas de várias partes do mundo, aumentando a concorrência e protegendo os passageiros dos desmandos a que ficarão necessariamente mais expostos a partir de agora na mão de alguns poucos.

No entanto, podemos ficar tranqüilos, pois zela pelo assunto o ilustre ministro da Defesa, que deu aos brasileiros um conselho inestimável: o de que fiquem em casa enquanto a turbulência não passar. Seria bom aconselhar também – como sugeriu Raul Seixas, conterrâneo do ministro Waldir Pires – que a terra parasse, que parentes próximos não morressem em lugares distantes, que crises que exijam a presença física das pessoas sejam postergadas sine die até que o panorama fique mais claro. O Conselheiro Acácio não faria melhor.

Belmiro Valverde Jobim Castor é Ph.D. em Administração Pública e professor do Mestrado em Organizações da FAE Business School.

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