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CPI da Covid
“O povo precisa entender que o Estado, por si só, não cria valor. Para dar alguma coisa para alguém, ele precisa tirar de outra pessoa”.| Foto: Pedro França/Agência Senado

Nesta primeira quinzena de novembro foi aprovada, na Câmara dos Deputados, a PEC dos Precatórios, com apertada margem. A proposta visa a reduzir o valor a ser pago em precatórios no ano de 2022, a fim de conseguir fazer com que haja sobra orçamentária para viabilizar o pagamento do novo Bolsa Família, o chamado Auxílio Brasil. Em tese, isso significa um maior prazo de rolagem da dívida pública: uma dívida da União que deveria ser quitada em 2022 tem seu pagamento adiado.

Logicamente, a PEC dos Precatórios é um dilema para todos os partidos, inclusive os de oposição. Votar contra poderia ser visto como “negar um benefício maior para a população mais pobre”, e isso não é bom do ponto de vista político. Todavia, aprová-la tende a colocar no crédito do atual presidente um programa social que pode render bons louros eleitorais.

Todavia, nesses debates, esquecemos de levar em conta questões fundamentais sobre o tamanho do Estado. A Dama de Ferro, Margaret Thatcher, disse: “O governo nunca é mais perigoso do que quando o desejo que temos de que ele nos ajude nos torna cegos quanto ao imenso poder que ele tem de nos prejudicar”. E nosso ex-ministro do Planejamento, ex-senador e também ex-deputado Roberto Campos afirmou que “o bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que nos pode tirar”.

Há cerca de um mês, foi também pauta nacional a divergência em torno de um projeto de lei, vetado pela Presidência da República, que buscava oferecer absorventes financiados pelos recursos públicos via SUS para mulheres em situação de “pobreza menstrual”. A ideia acabou sendo profundamente politizada, a ponto de governadores tomarem a iniciativa, sem o auxílio da União, de distribuírem absorventes.

O ataque ao Poder Executivo federal tem sido constante por parte da sociedade, classe política e mídia, que têm argumentado contra a “falta de compaixão” da gestão pública federal no atendimento às necessidades mais prementes da classe feminina economicamente desfavorecida. Segundo a Agência Senado, “o impacto previsto para a distribuição a 5,6 milhões de mulheres será de R$ 84,5 milhões ao ano com base em oito absorventes por mês/mulher”. A receita da União estimada para 2021 foi de R$ 4,325 trilhões. Desta forma, o impacto anual orçamentário desse projeto de lei seria de aproximadamente 0,002%. Efeito este, de fato, tecnicamente insignificante.

Entretanto, deixando de lado o mérito da proposta ou do veto, precisamos ver, como sociedade, esse ocorrido para refletirmos sobre qual o papel do Estado na nossa vida, o quanto aceitamos a sua intervenção e qual deve ser o seu tamanho, questão que vem sendo deixada de lado por causa de discussões inteiramente políticas.

Como muito se diz, quem decide o tamanho do Estado é a sociedade. Assim, a decisão sobre a magnitude da influência estatal na vida do cidadão é uma decisão da política, não da economia. A economia se preocupa, prementemente, com a gestão de recursos escassos. A sociedade diz que tamanho de Estado ela quer por meio da política; os economistas vão buscar lidar com essa escolha da forma mais eficiente possível para que os resultados esperados venham a ser, dentro dos limites de gestão dos recursos escassos, alcançados.

Recentemente, palestrando sobre reforma tributária, foi levantada uma questão sobre o fato de pagarmos impostos para financiar educação, saúde e segurança, mas ainda termos de pagar por serviços de educação particulares, planos de saúde, sistemas de vigilância e segurança em nossas residências. Desta forma, boa parte da sociedade conclui que há uma má qualidade no gasto público brasileiro em todos os entes federados; afinal, paga-se muitos tributos, mas o serviço prometido pelo setor público não chega com eficiência até o cidadão.

Todavia, essa questão precisa ser mais profundamente abordada para que não nos percamos a ponto de deixar de entender qual o verdadeiro fundamento dos reais problemas da execução de políticas públicas no Brasil.

Primeiramente, é conveniente deixar claro para a sociedade que não faz sentido querer que um país subdesenvolvido preste serviços públicos com a mesma qualidade de países desenvolvidos. Não importa o quanto o Estado arrecade de impostos, o quanto seja feita a tal da “justiça redistributiva”, um país subdesenvolvido (para não chamar de “país pobre”) nunca terá serviços públicos com a mesma qualidade de países ricos por um simples motivo: falta dinheiro. Neste diapasão, enquanto não formos um país rico, não adianta querer ter políticas públicas de países ricos. Lógico que seria possível ter um melhor serviço público de forma geral caso fossem aplicadas medidas de melhoria da qualidade do gasto público. Sem sombra de dúvida. Entretanto, é uma ingenuidade esperar mudanças radicais.

O povo brasileiro precisa fazer uma escolha: ele quer mais ou menos Estado?

Assim, a sociedade brasileira precisa decidir: ela quer um Estado grande, que cuide de diversos pontos da vida do cidadão, ou ela quer um Estado menor, que só cuide do essencial? Se a sociedade considera o poder público incapaz de executar eficientemente todos os serviços que ela deseja, peça menos Estado. Se, entretanto, considera-o capaz, esteja disposta a ser mais tributada para que o governo possa financiar sua prestação de serviços.

A polêmica recente dos absorventes é somente uma amostra disso. Cada dia estou mais convencido de que o brasileiro ama um Estado paquidérmico e quer um governo que cuide de todos os aspectos da sua vida privada. Entretanto, o grande contrassenso é que este mesmo brasileiro não quer pagar mais impostos.

O político ouve a voz do povo e dá o que o povo pede. Entretanto, o povo precisa entender que o Estado, por si só, não cria valor. Para dar alguma coisa para alguém, ele precisa tirar de outra pessoa. O setor público é um alocador de recursos. Assim, é completamente legítimo a sociedade, como detentora do poder em uma democracia, dizer que deseja distribuição de absorventes, auxílios emergenciais, mais hospitais, universidades, etc., tudo financiado pelo governo. Assim, torna também justo que o político, ouvindo essa demanda dos cidadãos, tribute mais.

O povo brasileiro precisa fazer uma escolha: ele quer mais ou menos Estado? Se estiver pedindo por mais serviços públicos, mais assistencialismo, esteja disposto a pagar mais impostos e sofrer com as consequências negativas que um aumento contínuo do poder estatal pode ocasionar. Caso contrário, opte por uma sociedade mais livre, com um governo focado somente nas questões essenciais, menos impostos, com soluções encontradas pelo mercado e maior crescimento econômico.

Lucas Pedrosa é consultor de economia.

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