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Ahmadinejad não é inimigo do Brasil, mas não é amigo das convicções brasileiras

Preste a atenção, junte os fatos, não se deixe iludir pelas novidades. A "Crise Iraniana" ou a "Questão Nuclear" será sempre mais ampla e mais profunda do que o nome adotado para designá-la. O emocionado discurso do presidente Lula nesta sexta-feira no Rio em favor da Aliança das Civilizações não encerra nossa incursão diplomática ao Levante. Ela apenas começou. Para completá-la é preciso paciência. E algumas remissões.

Em 1939, a tensão parecia circunscrita à recuperação pelos alemães do estratégico porto de Dantzig (hoje Gdansk). Na verdade, Hitler queria o lebensraum, o espaço vital para expandir-se até chegar ao celeiro russo, a Polônia era apenas um aperitivo. O Fuhrer não disparou um tiro para chegar ao poder, mas a atuação da Gestapo, a criação dos campos de concentração, a bárbara perseguição racial, o assassinato do premiê Dollfuss pelos nazistas seguido da anexação da Áustria desenhavam uma crise muito mais ampla e dramática do que constava da pauta das negociações para evitar a guerra na Europa.

O Brasil tem o direito e mesmo o dever de empenhar-se na resolução do imbróglio nuclear iraniano porque dele irradiam-se não apenas os impasses localizados no Oriente Médio, mas outros que chegam à América do Sul como é o caso do virtual rompimento das relações diplomáticas da Argentina com o governo de Ahmadinejad depois da denúncia da justiça argentina contra quatro iranianos responsáveis pelos sangrentos atentados terroristas em Buenos Aires (um deles é o atual ministro da Defesa, Ahmad Vahidi).

A viagem do presidente Lula a Israel foi impecável sob todos os pontos de vista. Só não agradou ao ministro do Exterior, Avigdor Lieberman, que representa os setores mais reacionários e intolerantes da sociedade israelense, incapaz de reconhecer que a existência de um Estado Palestino está prevista na mesma decisão da ONU que resultou na criação do Estado de Israel.

A parceria com a Turquia foi outra iniciativa feliz porque associa o Brasil a uma república islâmica, europeia, comprometida com o secularismo, vizinha do Irã e membro da Otan.

O que correu mal foi o oba-oba anterior à chegada em Teerã. Anunciar uma semana antes que havia 99% de chances de aprovação do acordo foi uma maneira desastrada de dizer que não haveria negociação, apenas badalação. E essa badalação passou ao largo de uma questão capital: o Irã é uma cruel ditadura que dias antes enforcara cinco dissidentes que denunciaram os resultados das últimas eleições. A festinha em Teerã desrespeitou os sentimentos daqueles brasileiros que levam a sério a questão dos direitos humanos – aqui, em Cuba, Palestina, Tailândia ou na praça de Tienamen.

De novo ao passado tão presente: em 1938 quando foi assinada a capitulação de Munique na presença de Hitler e Mussolini, os negociadores aliados (Chamberlain e Deladier) estavam sombrios, não festejaram o nazifascismo. O mesmo deu-se no ano seguinte quando Molotov assinou em nome de Stalin o inominável pacto que esquartejou a Polônia.

Ahmadinejad não é inimigo do Brasil, mas não é amigo das convicções brasileiras. Graças à compulsão comemorativa nosso governo viu-se desobrigado de explicar o surpreendente anúncio ira­­niano, em seguida à assinatura, de que o acordo não impediria a continuação do enriquecimento de urânio a 20%. Essa explicação foi agora oferecida pelo jornalista americano, Tho­­mas Friedman, ao revelar que, além dos 1.200 quilos de urânio enriquecido a 3% que o Irã obri­­ga-se a entregar, há um estoque clandestino de 2.300 quilos que continuarão a ser enriquecidos a 20%, à revelia do tratado.

A nova Aliança das Civilizações que o presidente Lula saudou com emoção substitui a caquética teoria do Choque de Civilizações do cientista político Samuel Huntington e deve constituir-se numa efetiva coalizão universal contra o medo.

Para associar-se uma única exigência: acreditar que a pomba da paz não é truque nem sai da cartola.

Alberto Dines é jornalista.

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