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A Constituição de 1988, como também a Lei de Diretrizes e Bases – LDB (9.346/1996) indicam que a educação brasileira deve orientar-se por uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC). No entanto, foi a partir das Diretrizes Nacionais da Educação Básica, revistas entre 2009 e 2012, que se abriram as discussões sobre a base, também motivada pelas avaliações nacionais que acabavam, de alguma forma, conformando um currículo básico para as escolas.

De alguma forma, tanto a LDB como as próprias Diretrizes Curriculares já apontam o que os sistemas de ensino e as escolas devem prever em seus currículos, ou seja, o que dá unidade nacional em relação ao conhecimento escolar: conhecimentos que devem ser objetos de trabalho escolar ao longo da educação básica, sem no entanto conformar estes conhecimentos em listas de conteúdos mínimos.

A BNCC é legítima e permite futuros avanços

A Base Nacional Curricular não é uma “receita de bolo” a ser seguida à risca

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A discussão da BNCC na verdade explicitou os projetos históricos em disputa: os interesses privatistas e os interesses públicos em relação a educação. A BNCC passa a ser instrumento de controle do trabalho na escola e, consequentemente, do conhecimento que se pretende disponibilizar para a população. Em relação à disputa entre público e privado podemos destacar a indústria de produção de materiais didáticos, uma grande beneficiada por um currículo único, assim como a indústria de avaliações que se instaurou no país. Suprime-se o protagonismo do professor, sua autonomia, e esse passa a ser mero reprodutor do processo educativo.

A discussão da BNCC na verdade explicitou os projetos históricos em disputa: os interesses privatistas e os interesses públicos em relação a educação

A proposta ora apresentada utiliza algumas categorias como educação integral, educação de qualidade, formação humana, mas não faz o enfrentamento das disputas de uma formação humana e uma formação restrita para o trabalho imediato. A concepção de formação humana remete a uma educação de qualidade para todos, criando as condições para a sua materialidade e, portanto, combatendo as desigualdades. A formação voltada para o trabalho prioriza apenas a lógica do mercado e desqualifica o conhecimento pela lógica das competências e habilidades.

É fantasioso supor que a BNCC seja a chave para o enfrentamento das mazelas da educação brasileira. A garantia do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento durante a trajetória na educação básica não resulta de uma oferta comum, homogênea e homogeneizante, mas ao contrário resulta da compreensão das diferenças como condições e não como déficits, o que permite organizar o trabalho escolar de forma a não excluir nenhuma criança ou jovem por sistemáticas experiências de fracasso. O currículo não pode ser compreendido como redentor.

O enfrentamento passa pela discussão curricular no interior da escola, mas passa principalmente por atender e respeitar as diferenças (uma escola igual para todos, beneficia os “iguais”). Para isto, é necessário assegurar escolas com infraestrutura adequada, com carreira de professores e salários condizentes com a responsabilidade, com formação inicial e continuada, que as relações de trabalho sejam com dedicação exclusiva. Que as escolas sejam providas de recursos tecnológicos, bibliotecas físicas e virtuais, recursos humanos, materiais, físicos e financeiros, para que os esforços convirjam para práticas de qualidade e que não haja solução de continuidade e ruptura com projetos e programas . Para que o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia sejam as dimensões constituidoras do currículo é necessário inventar novos espaços de aprender e ensinar.

Como pode a BNCC, a partir de tantas desigualdades, reduzi-las? O conforto de um pacote básico de conhecimento não parece ser uma boa resposta.

Sandra Regina de Oliveira Garcia é professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL) na área de Políticas Educacionais e ex-coordenadora geral de Educação Básica no Ministério da Educação
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