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No Brasil, onde a eutanásia é proibida por lei, cresce o apelo entre os profissionais de saúde para que seja revisto o parecer sobre a prática da ortotanásia, suspenso pela Justiça em outubro de 2007.

"Quando a morte é o maior perigo, se espera na vida; mas quando se encontra um perigo ainda maior, se espera na morte. Entretanto quando este perigo é tão grande que a morte se torna a esperança, o desespero é a não esperança de não poder nem mesmo morrer." (S. Kieerkegaard).

O caso de Eluana Englaro na Itália, que se encontra em coma há 17 anos, reacende novamente o interesse sobre a eutanásia. No Brasil, onde a eutanásia é proibida por lei, cresce o apelo entre os profissionais de saúde para que seja revisto o parecer sobre a prática da ortotanásia, suspenso pela Justiça em outubro de 2007.

O desenvolvimento científico permitiu uma melhora importante e sem precedentes na qualidade de vida e na longevidade nos países ocidentais. Este último aspecto trouxe um elemento completamente novo: convive-se mais e por mais tempo hoje com as doenças crônicas. Dessa forma, surgiu uma nova angústia, o temor da não-vida ou da não-morte, daquele estádio intermediário e prolongado de sofrimento que é ainda mais inquietante do que a própria morte e que trouxe dilemas antes desconhecidos. Assim, o debate sobre a eutanásia se intensificou, mesmo que a sua essência ético-filosófica não tenha se modificado muito nos últimos 50 anos.

Não existem, de fato, razões fisiológicas, biológicas ou clínicas para acelerar o processo de morrer. Existem sim razões antropológicas, éticas, culturais e religiosas, favoráveis ou contrárias, que estão envolvidas dentro deste difícil debate. Dessa forma, a eutanásia deixa de ser um problema interno e exclusivo da medicina atual para se transformar em algo muito mais amplo e complexo, que transcende ao universo biológico e ao da medicina científica e passa a atingir a toda a sociedade.

Alguns dos defensores da sua legitimidade moral e, portanto da despenalização ou mesmo da sua legalização, tendem a enquadrá-la como perfeitamente compatível com o ambiente que existe dentro das sociedades liberais e democráticas, justo porque são elas que devem promover a cultura dos direitos. Esta, todavia, é uma simplificação jurídica que não é compartilhada por todos os autores que se dedicam a esta questão.

No Brasil o debate sobre a eutanásia encontra-se em um âmbito superficial dentro da sociedade e mesmo entre os médicos e outros profissionais de saúde e legisladores, que tendem a permanecer no discurso acima explicitado. É necessária, por outro lado, uma reflexão maior e mais aprofundada dos diversos aspectos antropológicos, éticos, sociais e culturais existentes nos discursos pró e contra a eutanásia antes de se posicionar a respeito no nosso meio.

Aqueles que se opõem à eutanásia, mesmo não negando o valor que a autonomia e o alívio do sofrimento possuem, defendem que a cada direito reconhecido a nível social e jurídico, venha implicado também um dever. Portanto, o argumento de que a questão da eutanásia deva ser colocada como limitada ao exercício da liberdade individual, por si só não seria suficiente. A relação entre o direito e o dever, necessária em todas as sociedades modernas, demonstra que a liberdade está presente mesmo onde estão limitadas algumas escolhas individuais. Nenhuma sociedade democrática pode existir sem elaborar critérios de justiça e, portanto, que não limite de alguma maneira a autonomia dos seus cidadãos.

Os debates bioéticos sobre a eutanásia, apesar de encontrarem grande apelo na sociedade globalizada, têm pouca relevância do ponto de vista de saúde pública no Brasil. São raros os pacientes, familiares ou profissionais que efetivamente desejariam realizá-los na prática, mesmo se estes procedimentos fossem permitidos. Além disso, entre os oncologistas, que são os médicos mais expostos ao tratamento dos pacientes terminais, ainda não é consenso de que com a eutanásia se possam melhorar os cuidados no final da vida. Um estudo envolvendo 3.299 membros da Sociedade Americana de Oncologia, encontrou que a eutanásia teve o apoio de apenas 22,5% dos oncologistas. Entre os participantes da pesquisa, apenas 3,7% já haviam realizado eutanásia. Os oncologistas entrevistados também consideram que os pedidos de eutanásia diminuem com a melhoria dos cuidados paliativos.

Vivemos uma realidade onde o acesso ao diagnóstico e ao melhor tratamento ainda está muito distante do ideal existente nos países desenvolvidos. A legalização da eutanásia pode representar um risco à pessoa do paciente terminal e um duro golpe ao relacionamento médico-paciente de base hipocrática. Pode ser mais fácil, barato e conveniente eliminar mais do que cuidar. O debate, portanto, deve ser redirecionado ao outro foco, o da distanásia. Ou seja, o de não prolongar desnecessariamente o processo de morrer. Este sim, um drama com o qual convivemos diariamente nos hospitais.

Cícero de Andrade Urban é médico oncologista e mastologista. Professor de Bioética e Metodologia Científica no Curso de Medicina e no Mestrado em Odontologia Clínica da Universidade Positivo. Vice-presidente do Instituto de Ciência e Fé.

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