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A reforma agrária, o MST e o direito de propriedade privada
| Foto: Divulgação/MST

Em dezembro de 2015, o dirigente nacional do Movimento dos Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, disparou em um dos seus discursos: “O capitalismo transforma o que deveria ser alimento em mercadoria”. A ideia é de que a propriedade privada não é bem-vinda quando falamos de alimentos. Em setembro de 2022, o mesmo líder do movimento afirmou que a vitória de Lula nestas eleições terá como consequência natural a retomada das grandes mobilizações do MST. Diante disso, considero importante revisitar a história da reforma agrária e do MST no Brasil

A reforma agrária começou a ser discutida no país no final da década de 50. O objetivo era extinguir o modelo latifundiário herdado da época de colonização do Brasil, que dava grandes lotes de terras para algumas poucas pessoas, e incentivar a povoação do território brasileiro. Mais especificamente, as terras eram divididas entre proprietários de grandes latifúndios e governo federal desde 1850. Foi justamente nessa época que houve a publicação do primeiro Código de Terras do Brasil, onde se elaborou a chamada “Lei de Terras”. Segundo a lei, o governo passava a ter o controle total de terras devolutas (terras que apesar de possuírem proprietário, não produziam) e que poderiam ser adquiridas somente por meio da compra junto ao Estado.

Apesar de o MST ser enquadrado como movimento social, ele não possui um registro legal e, por isso, não é obrigado a prestar contas de seus gastos e recebimentos de recursos públicos e privados.

Essa lei visava incentivar a imigração de novos campesinos assalariados, mas na prática o que aconteceu é que ex-escravos e novos campesinos teriam grandes dificuldades para se tornarem proprietários de terras. O problema é que a mesma lei que buscava incentivar e regularizar as ocupações teve um efeito nefasto: diversos documentos forjados começavam a aparecer para aumentar e confirmar a posse da terra dos antigos latifundiários.

No século seguinte, no final da década de 50, surgiram as primeiras ligas camponesas e a partir delas, o governo federal criou, em 1962, a Superintendência de Reforma Agrária (Supra). A Supra não durou muito e foi extinta em 1964, durante o regime militar, dando lugar para o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda). Seriam eles os responsáveis agora para discutirem a questão fundiária.

O famoso Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) veio alguns anos depois, mais especificamente em 1970, com a fusão entre o Ibra e o Inda e seu objetivo era de sistematizar a reforma fundiária. Hoje o Incra busca manter e gerir o cadastro nacional de imóveis rurais, administrar terras públicas, além de identificar e registrar, demarcar e titular terras destinadas a assentamentos e comunidades tradicionais quilombolas.

Não há como falar de reforma agrária sem falar do MST. O movimento teve origem no final da década de 80 para se contrapor ao modelo de reforma agrária proposto durante o regime militar. Enquanto o modelo militar visava colonizar terras devolutas em regiões remotas, o MST buscava a redistribuição de terras improdutivas em todo território nacional. Para o MST, a reforma que estava em prática acabava por isolar as famílias em regiões remotas e em terras inadequadas para o cultivo agrícola. Desde a sua criação, o movimento utilizou ocupações como ferramenta para forçar a redistribuição de terras improdutivas. O esquema funciona assim: uma vez que um local é invadido, o Incra analisa se a terra é improdutiva e, constatada a improdutividade, os sem-terra podem ser assentados e recebem a posse do local.

Caso a terra seja produtiva, é expedida uma ordem judicial de reintegração de posse. Essa é a teoria, mas a prática – como os produtores rurais bem sabem – é outra. Em muitas ocasiões, mesmo com a ordem judicial de reintegração expedida, os ocupantes se recusam a sair da terra invadida e a desocupação se dá através da força policial.

Mais grave ainda são os objetivos políticos por trás do movimento. Apesar de o MST ser enquadrado como movimento social, ele não possui um registro legal e, por isso, não é obrigado a prestar contas de seus gastos e recebimentos de recursos públicos e privados. Outra consequência de não ter o registro é a impossibilidade de acusar legalmente o movimento pelos prejuízos que causam a terceiros. Ao não ter que prestar contas de como utiliza ou de quem recebe seus recursos, o movimento criou condições para que a corrupção se desenvolvesse e contaminasse toda a sua estrutura.

Partidos políticos o usam como massa de manobra para exercer pressão política sobre adversários, recursos públicos são facilmente desviados e diversos outros crimes são cometidos sob o guarda-chuva da redistribuição fundiária no Brasil. Nessa zona cinzenta se observa que as ideias originais do MST foram deturpadas ocasionando o aparelhamento do movimento.

A questão natural que surge é a seguinte: teria direito o MST de invadir as propriedades privadas? Imaginemos uma pessoa que seja proprietária de uma fazenda produtora de café de grande porte e que emprega mais de dois mil trabalhadores. Um dia, mais de mil membros do MST invadiram a sua fazenda. Apesar de ser uma fazenda ativa e produtora, passam-se dois anos até ser obtida uma ordem judicial de reintegração de posse – que não é respeitada pelos membros do MST. A reintegração só se torna possível através da força policial.

Assim que a reintegração terminou, o proprietário entrou na sua propriedade e se deparou com um cenário de terra arrasada. Os cafezais estavam tomados por pragas, toda a plantação estava comprometida e não poderia ser mais utilizada. Os maquinários para moer, separar e secar os grãos estavam completamente depredados e enferrujados, sinal de que sequer haviam sido utilizados durante o período da invasão. Os tratores haviam sido desmanchados e suas peças e pneus vendidos pelos assentados.

O cenário era devastador e a perda monetária era tamanha que colocara toda a família dos proprietários em situação falimentar. Chegavam relatos de que a fazenda havia sido loteada pelos dirigentes do assentamento e esses lotes eram alugados para os próprios membros do movimento, o que é proibido por lei.

Os assentados, após serem removidos da propriedade, estavam acampados na beira da estrada a poucos quilômetros da fazenda. Um mês após a reintegração, a invasão retornou  com força total. Um fato curioso é que, desde a primeira invasão da fazenda, a família proprietária era assediada por um político, membro de um partido com viés socialista/comunista que regularmente utilizava o MST como massa de manobra. O político propunha a compra da fazenda por 20% do seu valor real. Foram inúmeras tentativas de compra, sempre repelidas. Eventualmente, a propriedade foi vendida para outra pessoa, porém, devido à pandemia de Covid-19, a reintegração de posse, até o momento, não pôde acontecer. Curiosamente esse mesmo político agora solicitava propinas milionárias para que a invasão cessasse e a venda pudesse ser efetivamente concluída.

Por definição, a propriedade privada é um direito civil que garante ao cidadão o usufruto de um bem ou de um espaço da forma que melhor lhe convir, com exclusividade e de forma perene, desde que com isso não infrinja o direito de outro cidadão. Alguns poderiam argumentar que o acesso à propriedade privada, garantido pela constituição federal de 1988, se tornou possível a uma camada da população que, antes do movimento, teria pouco ou nenhum acesso a esse direito. A verdade, porém, é outra. Em muitas situações, os filiados do movimento utilizam a justificativa do direito à propriedade privada para rasgar o direito à propriedade privada alheia.

O objetivo principal do movimento foi corrompido e a sua imagem serve hoje a ideologias políticas marxistas. No fim, o que o MST faz é não respeitar o direito à propriedade privada. O movimento, que surgiu com o pretexto de defesa ao direito à propriedade privada para as camadas menos afortunadas da sociedade, trai os seus próprios valores fundamentais. Muitos de seus dirigentes acabam usando os integrantes do movimento como massa de manobra e podem usar recursos públicos e privados recebidos pelo movimento sem se preocupar em prestar contas.

O que precisa ser dito abertamente é que o direito à propriedade privada de um não é maior do que o direito à propriedade privada de outro. Onde está essa justiça que dizem ser cega? O direito à propriedade privada tem de ser defendido como um dos principais pilares de uma sociedade livre. O risco de não respeitarmos esse direito fundamental é voltarmos à barbárie.

Ariel Marcos é graduado em engenharia, pós-graduado em Administração pela FGV, diretor na Bravura S.A e associado do IFL-SP.

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