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É comum sustentar-se o contrário, mas a verdade é que o Brasil tem uma disciplina eleitoral avançada. O que o país não tem é um sistema político adequado. Daí porque a incursão reformista do Congresso deveria estar no modelo político; não no eleitoral. Grossíssimo modo, aprimorar a vinculação política dos eleitores com os representantes escolhidos pelo sistema proporcional, por intermédio do voto distrital – puro ou misto; acabar com o "abuso autorizado" do poder econômico, através da instituição do financiamento público exclusivo e controle rigoroso de gastos. Aí estão dois temas do permanente debate sobre reforma política que já dariam conta de resolver, em boa medida, o déficit de legitimidade do nosso sistema.

Mas a reforma política não anda. E não anda porque parece que ninguém quer que ande lá no Congresso Nacional. Bar­­rada a discussão principal, as atenções voltam-se à reforma elei­­toral. E o pior é que a reforma eleitoral recentemente aprovada, que muito pouco pode ajudar na concepção de um sistema eleitoral mais apropriado, quase contribuiu em sentido oposto. A vinculação da eficácia do processo de cassação ao trânsito em julgado é um ótimo exemplo da importância da "não aprovação" da reforma como estava cogitada pelo Se­­nado. É o que se aborda aqui.

A justiça eleitoral, mais do que qualquer outro ramo da Justiça, tem compromisso firme com a celeridade. Têm sentido as críticas dirigidas à demora no processo de cassação de prefeitos e governadores. E nesse ponto a reforma eleitoral, é preciso reconhecer, andou bem. Estipulou que os processos de cassação (do diploma ou do mandato) devem durar no máximo um ano (novo art. 97-A da Lei das Eleições). Alguém pode dizer que o prazo ainda é muito amplo, mas é preciso lembrar que um processo de cassação, regra geral, passa por três instâncias da Justiça Eleitoral. Isso tudo em doze meses é algo razoável e atende, para o Direito Eleitoral, o novo compromisso constitucional com a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVII, da CF). Mas exigir que se julgue rápido, em todas as instâncias, não assegura, por si só, a aplicação do princípio da celeridade no direito eleitoral. Antes de tudo é preciso exigir que as decisões tenham eficácia imediata. Noutras palavras: o cassado deve aguardar fora do cargo o julgamento dos recursos que lhe interessam. Ausência de efeito suspensivo para os recursos, na linguagem mais técnica. Só assim realmente se concretiza o princípio da celeridade. Subordinar a eficácia plena da decisão ao trânsito em julgado, como queria o Senado, é apostar na impunidade, incentivando a interposição de recursos protelatórios. Ótimo que a reforma eleitoral, neste ponto, tenha sido barrada pela Câmara.

A Justiça Eleitoral não deve ter nenhum receio em outorgar eficácia imediata a uma decisão de cassação de mandato que ainda dependa de confirmação em instâncias recursais. Aqui, como em nenhum outro ramo do direito, vale uma máxima do processo: é preciso sacrificar o direito improvável em nome do provável. Há quem suponha inadmissível que seja retirado um dia sequer do mandato do eleito sem que se tenha uma decisão definitiva sobre o caso. Esquecem-se, no entanto, que em nome desta premissa são muitos os cassados que ficam no exercício do mandato de forma ilegítima, no exercício de um poder conquistado fraudulentamente. Cassar mandatos na Justiça Eleitoral envolve riscos que devem ser distribuídos de forma equânime. Alocar este risco apenas na lógica de proteção do eleito (de forma ilegítima, muitas vezes) é miopia processual que está a serviço da impunidade. Sorte de todos que a Câmara soube resistir à miopia do Senado, preservando uma disciplina eleitoral que vai muito bem. Neste caso, não reformar foi a melhor saída.

Luiz Fernando C. Pereira, doutor e mestre em Direito pela UFPR, é colaborador da Escola da Magistratura do Paraná e advogado em Curitiba

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