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Ainda me lembro de quando me apaixonei pela poesia.

Estava no sétimo ano e minha professora de Literatura Mundial, a Sra. Joe, tinha pedido para lermos Those Winter Sundays, de Robert Hayden. Li o poema e imediatamente me vi envolvida pelas minhas próprias lembranças. Eu também relembrava o frio que fazia na casa em que cresci e os “compartimentos austeros e solitários” do amor de meu pai.

Em seus versos, Hayden fez com que eu me sentisse vista. O poema me deu um certo alívio por saber que minha infância não fora uma anomalia total, que outros tinham crescido em espaços semelhantes, onde o amor era agravado pela raiva e a solidão. Nesse dia, tornou-se meu poeta favorito. Continuei fascinada por essa poesia em particular durante vários anos, decorando-a não só pelo consolo que me fornecia, mas também como lembrete do bem que a arte pode fazer.

Cinco anos depois, descobri que Hayden era negro. Foi no primeiro dia do meu seminário de Literatura Afro-Americana, em Columbia; eu estava dando uma olhada no programa, tentando decidir se valia a pena ou não me matricular. Ali, em itálico, debaixo de Notes of a Native Son, de James Baldwin, estava Words in the Mourning Time, (1970) de Hayden. Joguei o nome do meu poeta favorito no Google, em busca de uma imagem, e ri alto. “Olha só, ele é negro”, pensei comigo mesma.

É fato que, embora seja uma coincidência engraçada o fato de ambos sermos negros, para mim não fazia diferença nenhuma. A obra de Hayden sempre me deu a sensação de ser uma representação adequada de mim mesma, mas por razões muito além da compleição comum.

De uns anos para cá, a palavra “representatividade” invadiu o discurso popular. Começou em 2015, com a campanha de April Reign, #OscarsSoWhite, que condenava a Academia pela falta de indicações de atores de cor. Desde então, figuras criativas de vários setores – produtores de cinema, curadores de galeria, publicitários – vêm sendo convocadas para aumentar a inclusão em seus respectivos campos de atuação, na esperança de fazer a cultura popular prosperar longe da dominância branca e masculina, rumo à igualdade racial e de gênero.

A necessidade da representação das identidades marginalizadas na arte é evidente

E quem poderia reclamar de um objetivo tão válido? A necessidade da representação das identidades marginalizadas na arte é evidente, especialmente quando se leva em consideração uma luta mais ampla, contra as instituições sociais e políticas racistas e patriarcais.

Eu também desfruto desse progresso cultural: esta semana mesmo corri para a banca para comprar uma cópia da edição histórica de setembro da Vogue, com Beyoncé na capa e clicada, pela primeira vez na história, por um fotógrafo negro: Tyler Mitchell. Chegando lá, fiquei bem feliz de ver um número inédito de mulheres negras estampando as capas de outras tantas publicações de destaque.

Entretanto, quando penso na nossa obsessão atual com a representatividade, não posso deixar de imaginar se não estamos deixando de lado outras formas tão ou mais significativas de obtê-la, aquelas que só podem ser identificadas nas experiências de vida e fenômenos emocionais que vão além do visível.

Quando penso em toda a “arte negra” que essa nova era vem trazendo, tenho sentimentos contraditórios. Enquanto negra, gosto de ver artistas cujas carreiras estão finalmente recebendo o reconhecimento que merecem e cujas vozes estão finalmente sendo ouvidas. Porém, levanta-se uma questão aí: o que significa ser representado de verdade? Basta se reconhecer na aparência do artista? E se você não se reconhece em sua arte?

O lançamento de Pantera Negra nos cinemas foi considerado um momento histórico para a representatividade negra no mundo das HQs. Durante o fim de semana de estreia e ao longo dos meses seguintes, minhas redes sociais ficaram lotadas de afirmações e comentários de familiares, colegas e estranhos sobre a importância do filme. “Eu me vi nele”, muitos disseram.

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Quando finalmente fui assistir, não reconheci muito de mim mesma ali, não. Claro, vi o meu antigo bairro em Oakland, na Califórnia; vi negros que se parecem comigo, se vestem e falam como eu, mas o longa não reflete minha experiência enquanto norte-americana negra, minha relação com a escravidão, nem minha interação com outros membros da diáspora africana. Saí do cinema me sentindo totalmente não representada.

Meu pai me disse que eu estava sendo “ingrata”, que o filme era “histórico” para o povo negro, pois forçava Hollywood a finalmente reconhecer o valor do talento negro. Alegou que era um divisor de águas em relação à forma como “nossas” histórias eram contadas, garantindo-nos uma nova dignidade e dimensão. Concordei, dando de ombros, mas, no fundo, sabia que o filme não faz parte da minha história. De fato, não tem a ver com a história de ninguém; é pura ficção. Wakanda não existe; não houve um único lugar no continente africano em que não tenha havido escravidão, colonialismo ou ocupação, nem uma guerra divisora entre os africanos continentais e os negros no exterior. É uma história, pura e simples, narrada através de atores e referências históricas negros.

E, no entanto, não há nada simples aí. A representatividade é uma questão tão complicada porque, na superfície, se apresenta como um bem objetivo e politicamente correto para toda a sociedade; para aqueles que estão sendo representados, gera uma sensação coletiva de orgulho e vaidade pessoal. É ótimo nos reconhecer e saber que tem gente na nossa comunidade sendo paga para criar suas próprias narrativas. Ela também apresenta uma oportunidade para outras comunidades, que talvez nos tenham estereotipado ou discriminado, de vislumbrar nossa humanidade e reconhecer nosso valor na arte que produzimos.

Representatividade é uma questão tão complicada porque, na superfície, se apresenta como um bem objetivo e politicamente correto para toda a sociedade

No entanto, por mais que seja um padrão mais que louvável para os setores criativos, não pode ser um parâmetro para a arte de qualidade, pois essa tem de fazer muito mais do que apenas refletir nossa própria imagem. Ela tem de nos levar a um ponto além da obsessão com a identidade, o senso de tribalismo e o medo do outro.

Quando imagino um equilíbrio entre a representatividade e a arte de qualidade, sempre penso no meu autor favorito, James Baldwin.

“Você acha que sua dor e sua decepção são incomparáveis na história do mundo, mas aí começa a ler. Foram os livros que me ensinaram que as coisas que me atormentavam eram as mesmas que me ligavam a todas as pessoas que vivem e já viveram.”

Penso nessas palavras e me vejo transportada de volta à minha aula de Literatura. Leio o verso de Hayden e imediatamente me reconheço, não no poeta, mas no poema. Além da minha negritude, ele me vê exatamente como sou. É nesse momento que me vejo ligada a ele e a todos que já conheceram os “compartimentos austeros e solitários do amor”.

Bianca Vivion-Brooks é escritora e vive no Harlem.
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