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O processo foi tão longo e promulgado como previsível que muitos de nós já nos encontrávamos em outros afazeres e preocupações quando Dilma foi impedida – embora alguns tenham “comemorado”.

Houve resistência? Sim: movimentos nas ruas, não apenas do PT ou por ele, mas do PSol, do PSTU, do Movimento Passe Livre, do MST, do MTST, os estudantes secundaristas, a UNE e outros muitos, com importante participação da classe trabalhadora. Não bastou. Segundo representantes “eleitos”, o “povo” foi à rua pedir a saída de Dilma. Ninguém, na visão do grupo de Cunha, Temer e consortes, pediu uma solução que não fosse esta. E assim engolimos, embora sem termos pago, o “pato”.

O PT produziu muito disso com suas alianças junto ao PMDB, PL, PPB, PPS etc. E com políticas que buscavam, como diria o sociólogo Ricardo Antunes, contentar “os dois polos da barbárie”: de um lado, o capital transacional (em especial o financeiro) e o agronegócio; de outro, os miseráveis. A tensão iria, em algum momento, romper a corda.

Esse grupo, liderado pelo PMDB, nunca esteve de fora: foi fundamental ao PT em todas as últimas eleições

Cenário pronto para um golpe que poria fim ao quarto mandato consecutivo, por via eleitoral, de um grupo que trazia um projeto impossível, dada a sua fragmentação em alianças com frações de classe cujos interesses, no médio prazo, se tornariam inconciliáveis. Um grupo que, embora no governo, há muito já não mais estava no poder.

Nas eleições para o Executivo e Legislativo no âmbito federal e estadual em 2014, ficaram evidentes as alianças conservadoras de direita que, assumindo governos estaduais e formando uma maioria no parlamento federal, minguaram a base governista.

Findo esse pleito (permeado de reclames daqueles que não assumem nem mesmo as regras do sufrágio universal, num espetáculo de preconceitos que retomaram a bravata de que o “Sul” sustenta o “Norte” do país), veio a pauta de sempre: reforma política, flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias, a questão agrária, indígena e ambiental etc.

Aí as alianças degringolaram. Ou motivaram outras mais espúrias, num toma-lá-dá-cá que acinzentou os projetos governistas e os de oposição. No lugar da disputa clara e prática, uma novela de banalização da política tomou o espaço público com a midiatização da Operação Lava Jato.

Reviveu-se o discurso contra a corrupção, trabalhado pela mídia de massa no caldo de uma cultura política messiânica, delegando ao Judiciário, junto dos Ministérios Públicos e da Polícia Federal, a condução do processo, visto por muitos com o sabor de uma profecia.

Os governadores empossados por fora das alianças do PT, aproveitando a retirada de subsídios federais aos combustíveis e a redução de recursos enviados pela União (devido aos efeitos prolongados da crise de 2008 e à desaceleração da China), elevaram brutalmente os impostos e os preços dos serviços públicos, atingindo os assalariados e o pequeno empresariado. Ao grande capital isso pouco importaria; afinal, indo tudo à breca, sempre há o mercado financeiro, cujos interesses estão preservados (e não apenas aqui e em todos os mandatos de coalizão do PT, mas no mundo todo).

Inspirou-se, assim, um combate nacional pela república, evitando-se as antigas pautas enquanto ainda se busca resolver a ausência de projetos e nomes por parte da oposição de direita que, uma vez mais, não assumira a chefia do Executivo federal pelo voto e se vira obrigada a negociar nos bastidores.

Um drama-comédia porque esse grupo, liderado pelo PMDB, nunca esteve de fora: foi fundamental ao PT em todas as últimas eleições e, após os pleitos, obteve importantes pastas e empreendeu sua agenda conservadora. Mas traiu a aliança e teve de se fazer de vítima, pois vários dos seus estão citados nas operações policiais e, outrora, também “pedalaram”.

Assume o país o vice-presidente, representando um agregado de interesses contingenciais e contraditórios. O que dará margem a retrocessos sociais em nome de uma crise de governabilidade arquitetada e que dará emprego a políticos conservadores fora da cena há tempos e que precisam ter o que mostrar em 2018.

Mas não há milagre frente à crise global do capital. E tal grupo, que por certo não passará o chapéu entre o empresariado, atacará o bolso do trabalhador. Teremos, pois, em 2018, mais motivos para rememorar estes dias como uma grande farsa.

Geraldo Augusto Pinto, sociólogo, é docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
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