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 | Albari Rosa/Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Estamos no Brasil. O tempo presente exige serenidade. Nada de análises desequilibradas e interpretações apressadas. O terrorismo verbal tem superado as fake news e isso tem sido danoso. Está na hora de dar menos crédito ao tempo que se encerra e mais crédito ao tempo que se inicia; afinal, a realidade está aí e o jeito de perceber o mundo e a sociedade está em transformação.

Não precisamos dizer sempre “não” ao que está aí. Compreendamos primeiro. Como bem escreveu Rancière, “é preciso, mais que nunca, saber perceber”. Vivemos um excelente momento para criarmos uma política individual, refundando e reavaliando nosso estilo de vida. Eis aí a verdadeira revolução. Neste momento de interregno (entre uma coisa e outra), há sempre espaço para um novo paradigma, um novo jeito de compreender o mundo, a sociedade, as pessoas. É fato que todos fomos atingidos pela tensão política recente – positivamente, para uma grande maioria, ou negativamente, para muitos. Assim, o momento não pode ser de lamentação, mas de criação. Vejo com bons olhos o fato de termos de enfrentar a concretude das coisas, vivendo o que está aqui.

Está na hora de dar menos crédito ao tempo que se encerra e mais crédito ao tempo que se inicia

Chamo a atenção para o fato de recriarmos um novo modo de vida. Algo parecido com o que Giorgio Agamben escreveu em Uso dos Corpos. Aliás, ao ler o filósofo italiano, ao entrar em contato com ele, não se pode sair ileso. Somos atingidos para uma transformação individual que pode ser o começo de uma transformação coletiva. Podemos ter mais que uma vida em si, uma vida qualificada. Depende de nossa percepção e de nossa decisão pensar um meio puro, essencial, sem outras finalidades envolvidas. Podemos começar por produzir novas verdades. O aprendizado que Agamben nos ensina vem de uma vida que, independentemente de qualquer coisa, dê a si mesmo suas próprias regras, permitindo com isso pensar tantas outras formas de vida incomuns.

O pano de fundo de Agamben está em reconhecer a fuga individual como estratégia de uma vivência de um modo de ser e agir em forma de um hábito a ser seguido. Não é à toa que os cristãos monásticos do século 3.º e os seguidores de Francisco de Assis, na Idade Média, ficaram conhecidos por experimentarem a “potência do não” ou uma fuga diante de posturas estranhas e extrínsecas a seus valores, passando inclusive a usar roupas simples e próprias, distintas do ritual da época. Trata-se de uma boa analogia. Agamben apropria-se dessas experiências antigas e medievais para dar vida à “forma de vida”, conceito este que marcará passagem para novos paradigmas.

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Talvez seja disso que nós estejamos precisando neste exato momento: novos paradigmas, nova política individual. Como bem sentenciou Agamben, “não se trata de pensar uma forma de vida melhor ou mais autêntica, um princípio superior ou outro lugar [outro país], que suceda às formas de vida para torná-las inoperosas”. A defesa é por uma vida que considere o cuidado de si em reação a toda e qualquer imposição e que considere uma natureza que vem ao encontro de seus princípios primeiros. Eis a saída para uma vida digna em tempos aparentemente sombrios no Brasil e no mundo.

Claudio César de Andrade é professor de Filosofia Política no câmpus Guarapuava da Unicentro.
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