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O sistema capitalista é um arranjo social inventado para resolver os problemas de o que produzir, o quanto produzir, para quem produzir e como produzir, baseado na propriedade privada do capital, na organização empresarial da produção e no trabalho assalariado. Para cumprir sua missão e obter o maior volume de bens e serviços com o menor uso de recursos, o capitalismo pode ser definido como uma "máquina de produzir" movida pela busca de eficiência e da maior produtividade possível.

Assim, a lógica da produção capitalista privilegia e glorifica os fortes e os competentes, descartando e marginalizando os fracos e os menos capazes. É um sistema baseado na meritocracia, em que o indivíduo inadequado para jogar o jogo da "máquina de produzir" tem menores chances de êxito. Os muito fracos em termos de produção e desempenho, a exemplo dos analfabetos, correm sempre o risco de serem literalmente alijados dos benefícios econômicos gerados pelo sistema produtivo. Do ponto de vista da produção, essa máquina é o melhor sistema que a humanidade conseguiu inventar, a qual, quando submetida a um regime competitivo de mercado, é capaz de inovar-se de maneira rápida e intensa.

É essa lógica, tida por muitos como quase cruel, que consegue prover a humanidade de abundantes produtos (bens e serviços), a preços acessíveis e de boa qualidade. Ao final, é isso que chamamos, em economia, de "agregar valor", entendendo por "valor" o grau de utilidade de um produto, que significa, em última análise, a sua capacidade de satisfazer uma necessidade ou um desejo humano. Porém esse sistema apresenta alguns defeitos: um, não consegue distribuir o resultado (a renda) de forma equânime, provocando profundas desigualdades; outro é a dificuldade em promover o bem-estar psicológico dos indivíduos (felicidade).

Talvez o maior desafio do capitalismo competitivo de mercado consista, ao lado da sua imensa capacidade produtiva, em conseguir reduzir as desigualdades e incorporar os menos capazes e os fracos. Esse desafio está ligado ao problema da produtividade, e é um desafio científico e tecnológico. No início da Re­­volução Industrial, a produtividade dependia diretamente da destreza e da dedicação do trabalhador, a exemplo de uma fábrica de camisa, na qual a produção era resultado da habilidade técnica do operário e do seu esforço diário de trabalho. Com a invenção da máquina moderna, o trabalho passou a ter uma contribuição indireta às quantidades produzidas e, mes­­mo um operário menos hábil e menos forte, consegue obter altas taxas de produtividade. A razão está no fato de a máquina ser um instrumento automatizado, que realiza o processo com menor interferência hu­­mana. Essa lógica vale para o setor de serviços, co­­mo bancos, telefonia, transportes, saúde etc. Ou seja, a tecnologia e a automação viabilizaram a incorporação dos menos capazes ao processo, sem prejuízo da busca por altas taxas de produtividade.

Foi por entender que o sistema tem dificuldades em funcionar com bases humanitárias que o homem inventou uma "máquina de distribuir", o Estado. Por meio da tributação da renda e do produto, a sociedade tenta levar, aos excluídos, serviços, assistência e condições mínimas de vida digna. Entretanto, aqui entram em ação dois defeitos: um, o Estado funciona mal e falha no seu papel social; outro, o governo gasta demais, e mal, em atividades assistencialistas (que não reduzem a fraqueza dos fracos) e gasta pouco, e mal, em atividades de educação e instrução (que tornam fortes os fracos).

O caminho para melhorar as condições sociais e reparar as deficiências humanas, tanto as genéticas quanto as adquiridas, é a reforma do Estado, para que ele atenda os fracos no curto prazo e os torne fortes (ou menos fracos) no longo prazo. Na economia moderna, a inclusão no mercado de trabalho exige um mínimo de treinamento e capacitação, mesmo sabendo que é possível auferir ganhos de produtividade com o ser humano sendo o que ele é, ou seja, sem que todos sejam fortes, heróis e talentosos. A beleza da tecnologia e da inovação está exatamente em possibilitar a extração de alta produtividade de pessoas simples, normais e talentos modestos.

José Pio Martins, economista e vice-reitor da Universidade Positivo

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