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Freqüentemente, a informação veiculada na mídia produz um travo na alma. A sociedade desenhada no noticiário parece refém do vírus da morbidez. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam no noticiário das metrópoles. Recentemente, em Bragança Paulista, cidade do interior de São Paulo, dois bandidos atearam fogo a um carro com quatro pessoas. O menino Vinícius Faria de Oliveira, de 5 anos, que teve 90% do corpo queimado, morreu dois dias após a barbárie. Os pais dele, Eliana Faria da Silva, de 32 anos, e o marido, Leandro Donizete de Oliveira, de 31, ficaram carbonizados dentro do automóvel. A família e a amiga Luciana Michele de Oliveira Dorta, de 27 anos – internada em estado grave, com 70% do corpo queimado –, tinham sido feito reféns para que os criminosos roubassem uma loja em Bragança. Os bandidos decidiram atear fogo ao carro porque foram reconhecidos pelas vítimas. O registro policial, brutal, mas surpreendentemente rotineiro, cada vez impacta menos. A sociedade, encurralada pelo atrevimento da maldade, já encara a violência como parte da paisagem urbana.

A mídia tem sido acusada de estar dominada pela síndrome da má notícia. Catástrofes e tragédias excitam pautas e ganham o status de manchete de primeira página. Queixam-se os leitores de que, freqüentemente, iniciativas bem-sucedidas têm recebido pouco destaque ou, quando muito, migram para o lusco-fusco das páginas interiores. Essa tendência, no entanto, acaba de ser derrubada pela força de uma boa notícia: O analista de sistemas Adriano Levandoski de Miranda, de 27 anos, se atirou no poluído Rio Pinheiros, na zona sul de São Paulo, para salvar uma mulher e seu filho de 3 anos. Utilizou uma moto "furtada" para alcançá-los mais rapidamente e ser bem-sucedido. Ouvido pela reportagem, Adriano reagiu com notável simplicidade: "Qualquer um faria a mesma coisa!".

A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma surpresa, quase um fato inusitado. Acabamos de redescobrir que a sociedade aparentemente anestesiada pela violência não perdeu a capacidade de se comover com um instantâneo de grandeza moral. O episódio, não obstante a cativante humildade do jovem analista de sistemas, merece, portanto, um registro neste espaço opinativo. É importante que a opinião pública, habituada à síndrome de catástrofe e ao negativismo enfermiço que têm dominado inúmeras pautas, perceba que a solidariedade ainda pode ocupar o espaço de uma matéria.

Por mais que a sociedade tenha mudado, tenho a certeza de que o pretenso realismo que se alardeia como justificativa para o excesso de violência e mau gosto que, diariamente, desabam sobre leitores e telespectadores não retrata a realidade vivida pela maioria esmagadora da população. Na verdade, ainda há muita gente que cultua os valores éticos, os quais dão sentido e dignidade ao ato de viver; ainda há pessoas que, diante do vizinho doente, correm a socorrê-lo; e sofrem por uma criança abandonada; e estendem a mão a um amigo necessitado; e choram pelas vítimas de uma injustiça, como qualquer ser humano.

Por isso, caro leitor, a atitude do jovem Adriano Levandoski de Miranda ocupou o nosso encontro quinzenal. "Qualquer um faria a mesma coisa", afirmou o analista de sistemas. Talvez. Mas para nós, profissionais de um jornalismo tão habituado à rotina do noticiário negativo, o episódio tem algo de inusitado. Adriano deixa um belo legado de coragem e solidariedade para seus filhos. E para nós, jornalistas, mostrou que a grandeza humana bem vale uma matéria.

A todos, feliz Natal! difranco@ceu.org.br

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