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Tirando proveito do estoque de capital político ainda disponível, Obama lançou um ensaio de resposta estrutural aos efeitos da turbulência, um projeto de reengenharia do aparelho de regulação das atividades empreendidas por bancos e financeiras

É praticamente generalizada a interpretação de que a derrocada da economia internacional, enraizada no boom imobiliário dos Estados Unidos (EUA) ocorrido na presente década, foi semeada no governo Clinton e irrigada na gestão Bush, com o relaxamento dos critérios de concessão de crédito e hipotecas para mutuários com histórico de inadimplência e de retomada de imóveis, por parte dos agentes financeiros, e/ou com elevado comprometimento da renda familiar com encargos de endividamentos.

Igualmente quase consensual revela-se o diagnóstico de ocorrência do episódio da crise em um panorama de supressão e/ou abrandamento dos mecanismos de regulação e supervisão bancária e de afrouxamento dos exercícios de avaliação de autorizações de crédito, reinante desde os anos 1980. Em outros termos, os bancos passaram a negligenciar o papel tradicional de intermediários financeiros e a multiplicar suas grifes com diferentes modalidades de produtos intangíveis e aplicações arriscadas.

As práticas conjunturais de bloqueio dos impactos depressivos do default dos bancos e das companhias correlatas e de superação do cenário recessivo incluíram a intervenção estatal, via bancos centrais e governos dos países, materializada em devolução de liquidez, inclusive com o socorro às instituições atingidas, e a redução do preço do dinheiro.

Há menos de dois meses, o presidente Obama, tirando proveito do estoque de capital político ainda disponível, lançou um ensaio de resposta estrutural aos efeitos da turbulência, expresso em um projeto de reengenharia do aparelho de regulação das atividades empreendidas por bancos e outras companhias financeiras. O elenco de proposições, em discussão no Congresso dos EUA, está alicerçado em cinco frentes.

A primeira vertente é dirigida ao revigoramento do aparato institucional do segmento financeiro, através da criação de um Comitê de Supervisão dos serviços prestados, comandado pelo Tesouro norte-americano, e voltado à identificação de riscos e à coordenação das ações subjacentes das agências de regulação e ao monitoramento das posturas dos agentes, inclusive das seguradoras que estariam sob a batuta dos estados. Para tanto, o Federal Reserve (FED), Banco Central dos EUA, sofreria um alargamento de funções, de forma a exercer rigoroso controle e intervenção sobre qualquer entidade que possa vir a comprometer a saúde do sistema. Ademais, os fundos de investimentos de risco seriam obrigatoriamente registrados na Securities Exchange Comission (uma espécie de CVM norte-americana).

O segundo vetor do pacote reúne alguns mecanismos de proteção dos clientes de produtos financeiros, sintetizados na instituição de uma empresa encarregada de preservar os interesses dos usuários e acompanhar o curso do suprimento de serviços como hipotecas, crédito ao consumidor e arregimentação de recursos de poupança. O terceiro front abarca as regras de operação de determinados instrumentos financeiros, especialmente os bônus securitizados e os derivativos de crédito, que foram os principais responsáveis pelo colapso dos ativos verificado desde o final de 2007.

O quarto eixo prevê avanços no gerenciamento de instabilidades financeiras e na fixação de expedientes preventivos de supervisão, como exigências de acréscimos de capital próprio das organizações, como anteparo à alavancagem com haveres de terceiros. Por fim, a quinta linha preconiza a neutralização, ou até a eliminação, da tendência de tomada de exagerados riscos pelos bancos, por meio de um salto qualitativo nos paradigmas mundiais de regulação, incluindo profunda revisão do Acordo de Basiléia 2, produzido pelas nações avançadas.

Por certo, o arcabouço sugerido pela gestão Obama é desprovido do poder de evitar a deflagração de crises financeiras, intrínsecas à dinâmica capitalista, sobretudo devido à capacidade de geração de inovações financeiras à margem das regras, otimizada em ambiente de radicalização da terceira revolução industrial. Mas a necessidade de construção de barreiras capazes de impedir o regresso dos equívocos pretéritos e amenizar a força destruidora das bolhas especulativas e as enormes despesas fiscais a elas acopladas legitima o redesenho da boa regulação.

Gilmar Mendes Lourenço, economista, é coordenador do curso de Ciências Econômicas da FAE Centro Universitário.

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