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O desafio político consiste em evitar que a atual fase de recuperação do crescimento re­­sulte em mais um episódio de "voo da galinha", considerando as restrições à alta longevidade dos modelos de expansão

O entendimento e a discussão das potencialidades e dos desafios colocados ao Brasil, após a crise de 2008 e 2009, exigem um exame do ciclo político que resultou na necessidade de realização da eleição presidencial em segundo turno, disputada entre a ex-ministra chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma Rousseff, candidata da coligação liderada pelo PT, e o ex-governador de São Paulo, José Serra, representante da aliança capitaneada pelo PSDB e os Democratas (DEM).

A concatenação entre o boom vivido pela economia brasileira, marcado pela elevação do consumo privado e a mobilidade social, e o fascínio exercido por Lula, que transferiu sua popularidade recorde para a pouco conhecida candidata, chamada pelos nordestinos de "a mulher do presidente", foi insuficiente para a definição do pleito em primeiro tur­­no, apesar dos vários erros cometidos pela facção oposicionista.

Dentre as falhas nada desprezíveis, contabilizadas por PSDB e DEM, sobressaem a negação, desde o pleito de 2002, da ligação com o ex-presidente, Fer­­nando Henrique Cardoso, o grande responsável pela preservação da estabilidade monetária; as alianças elitistas e confusas, incluindo a escorregada mineira e a escolha de um candidato a vice sem pegada; e, por fim, a desfiguração do sentido de corrente de oposição. Essa foi caracterizada pela tentativa de associação a Lula no horário de propaganda gratuita, ignorando as exigências dos eleitores quanto à observação da pluralidade e do confronto de ideias, quando do exercício do direito de escolha.

Por incrível que pareça, a manutenção do conservadorismo da política monetária em 2010 teria colaborado para as pretensões do governo Lula. O Banco Central administrou, de forma competente, o medo do retorno da inflação de demanda, atrelado a um duvidoso aquecimento da economia, quando o grande objetivo era eliminar riscos de ocorrência de um apagão logístico, em pleno período eleitoral, o que poderia ser mortal aos projetos políticos oficiais.

O PT não escapou da tentação de produzir deslizes, tal como em 2006 quando, antes do fim do 1.º turno, decretou o "já ga­­nhei" de Ribeirão Preto, os "aloprados" empregaram mais de R$ 1 milhão em dinheiro vivo para a compra de um dossiê contra o PSDB (com Lula faltando ao último debate da TV Globo). Desta feita, a onda vermelha foi contida pela verde, retratada no desempenho de Marina Silva, que conquistou a maior votação de um terceiro colocado em embates presidenciais desde 1989, e pelos efeitos dos tropeços religiosos, com a defesa da legalização do aborto por Dilma, da quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato José Serra e do "caso Erenice Guerra".

Creio que o episódio político de 2010 revelou, pela primeira vez desde a redemocratização do país, a necessidade de exposição de propostas econômicas desviadas dos terrenos ocupados pelos grandes consertos ou reconstruções, bastante comuns no período compreendido entre 1989 e 2006. A tarefa central passou a ser a transformação da atual arrancada econômica em um círculo virtuoso de expansão.

Sem dúvida, houve alteração, ainda que moderada, do patamar de crescimento da economia brasileira desde 2004, especialmente se este for cotejado com a variação de 2,5% ao ano, verificada entre 1995 e 2002. Houve elevação de 3,5% ao ano do nível de atividade do país entre 2003 e 2009, e de 4% ao ano, entre 2003 e 2010, considerando a previsão de expansão do PIB de 7,4% para 2010.

Nesse sentido, o desafio político consiste em evitar que a atual fase de recuperação do crescimento re­­sulte em mais um episódio de "voo da galinha", con­­siderando as restrições à alta longevidade dos mo­­delos de expansão calcados em elevado consumo doméstico (público e privado), déficit externo e re­­duzidos níveis de poupança interna.

A construção da solução estaria na capacidade de o novo governo viabilizar, de forma concatenada, a melhoria do ambiente de negócios, a promoção das reformas microeconômicas (tributária, fiscal, previdenciária, administrativa, trabalhista etc.) e a elevação da taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura. Com a palavra, os surfistas das duas ondas remanescentes: a vermelha e a azul.

Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Economia da FAE, autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos.

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