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Fez bem o presidente Lula em chamar às falas o sr. Roger Agnelli, presidente da Cia. Vale do Rio Doce, por não agregar valor ao minério de ferro através da construção de usinas siderúrgicas para produzir aço e derivados, por adquirir navios na China e na Coreia do Sul e pelo direcionamento de recursos para o exterior, como a compra da canadense Inco, em 2006, por US$ 18 bilhões, reduzindo expressivamente os ativos no Brasil. Em 2007/2008, a Vale esteve na iminência de negociar a Xstrata, multinacional anglo-suíça por US$ 90 bilhões, contraindo dívida estratosférica. Se a operação tivesse se consumado, a Vale estaria correndo sérios riscos de desestabilização com a crise mundial pós setembro/2008.

Criada por Getulio Vargas em 1.º de junho de 1942, após desapropriar a Itabira Iron, a Vale foi se desenvolvendo com o dinheiro e o sacrifício de nossa gente, e impulsionada durante 55 anos por todos os chefes da nação que se sucederam. Tor­­nou-se lucrativa e a maior exportadora do país, privatizada por míseros US$ 3,388 bilhões, en­­quanto geólogos da CPRM avaliaram-na por US$ 1,7 trilhão, levando em conta suas imensuráveis reservas minerais.

A Vale estatal explorava suas jazidas, inclusive a portentosa Serra de Carajás, com moderna tecnologia, e o minério era transportado por ferrovia ultramoderna até as instalações portuárias próprias de Vitória (ES), e de Itaqui, no Maranhão.

A Vale é firma privada sui generis e no leilão de privatização, de 6 de maio de 1997, a União deveria ter se reservado uma ação Golden Share, com direito a vetar operações danosas à nossa economia, tais como assumir empresas no exterior. Em vez disso, o presidente Fernando Henrique Cardoso mandou vender na Bolsa de Nova Iorque, em 2001, a preço vil 31,17% do capital votante da Vale, renunciando, assim, à possibilidade de nomear dois membros do Conselho de Administração, que exerceriam o papel de colaboradores e, ao mesmo tempo, de vigilantes fiscais do anseio nacional.

Faz tempo que Agnelli desmerecia o nosso país. No Jornal do Brasil de 13 de novembro de 2003, ele disse que "os controladores da Vale são na verdade investidores e não industriais, e ele investe onde for melhor". Antes, nos jornais de 22 de outubro da­­quele ano, havia dito: "precisamos fazer aquisições ou nos associar no exterior na área de alumínio e de ferros-ligas. Aqui, é elevado o custo de ener­­gia e, ainda, com maior internacionalização, tentaremos reduzir nosso custo de capital adquirindo ativos em países onde o dinheiro é mais barato".

Já no fim de 2007, a Vale gastou R$ 50 milhões em publicidade para divulgar o novo logotipo e a mar­­ca Vale. Agnelli não brinca em serviço e, mais que qualquer concorrente, blindou a Vale com a classe política e o Congresso Nacional. Nas eleições de 2006, subsidiárias da Vale deram R$ 4,5 milhões pa­­ra Lula, 3,2 milhões para Alckmin, bastante para os candidatos a governador e ajudou a eleger 54 deputados federais, contribuição de R$ 5,3 milhões (jornais de 29 de novembro de 2006, com dados do TSE).

Agnelli é supervigilante na defesa da sua linha de atuação. Por ocasião de minhas críticas ao negócio da Inco, telefonou-me e travamos longo e amistoso diálogo. Enfatizei a ele que me considerava o "ombudsman" do povo brasileiro na Vale e ele tentou, sem êxito, me convencer do acerto de suas diretrizes.

A companhia veiculou nas derradeiras semanas dispendiosa campanha publicitária, que dominou televisões, rádios, jornais e revistas, suplantada apenas pela Petrobras. Somente o cachê do ator José Mayer custou R$ 800 mil, todavia as peças foram recolhidas porque considerou-se que elas agudizariam a crise com o presidente da República.

Os fantásticos gastos publicitários (R$ 178,8 milhões em 12 meses) desencadearam editoriais e reportagens de várias páginas com críticas ao presidente Lula por interferir na gestão de sociedade particular e de tentar derrubar Agnelli.

Lula ganhou a parada, e em 19 de outubro último Agnelli reportou-lhe que os investimentos da Vale serão de R$ 25,5 bilhões em 2010. Con­­firmou a execução de projetos siderúrgicos no Pa­­rá, Espírito Santo e Ceará, o término da Com­­panhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no Rio, e o pedido de orçamento aos estaleiros nacionais de quatro grandes navios de 400 mil toneladas.

É inquestionável a capacidade administrativa e o empreendedorismo de Agnelli, que catapultou a Vale a invejáveis índices de eficiência e a resultados admiráveis na produção de riquezas, na exportação e na lucratividade.

Se ele se imbuir de espírito nacionalista, assimilando que a Vale é mais dos brasileiros do que dos seus acionistas, poderá obter cargos eletivos pelo voto majoritário, se assim o desejar. Persistindo na visão meramente capitalista de mirar no lucro acima de tudo e insistindo em transferir ativos do Brasil para o exterior poderá soçobrar arrastado pelos ventos do destino.

Léo de Almeida Neves é membro da Academia Paranaense de Letras, ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil.

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