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A delegação do Brasil, liderada pela porta-bandeira Yane Marques, entra no Maracanã durante a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
A delegação do Brasil, liderada pela porta-bandeira Yane Marques, entra no Maracanã durante a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Um ano olímpico sempre desperta vários debates sobre incentivo à formação de atletas no Brasil. A comparação com nações que têm tradição em conquistas de pódios, como os Estados Unidos, evidencia que ainda temos muito a evoluir nesse quesito.

O principal programa nacional hoje vigente no país, o Bolsa Atleta, é uma excelente ferramenta que visa custear despesas para a elite dos esportes, em auxílio de atletas de alto nível, possibilitando-lhes estabilidade, condições de manutenção de treinamento e preparação. Por outro lado, o programa se mostra incapaz de formar um celeiro de campeões por não atingir as escolas, onde a educação esportiva deveria ser focada na seleção e formação de pequenos atletas com aptidão a se tornarem profissionais de alto nível.

Por muito tempo se questionou no Brasil a falta de incentivo para que nossos jovens pudessem se dedicar a esportes de ponta, permitindo-lhes a participação em busca de títulos e medalhas nos torneios internacionais e Jogos Olímpicos. Assim, em 2005 o governo federal criou o Bolsa Atleta, hoje considerado o maior programa de incentivo direto ao atleta no mundo. De acordo com a Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania, o programa é garantidor das condições mínimas para que atletas de nível local, sul-americano, pan-americano, mundial, olímpico e paralímpico possam se dedicar ao treinamento e preparação. Os atletas podem se enquadrar em seis categorias de bolsas, pelas quais recebem o equivalente a 12 parcelas que vão de R$ 370 a R$ 15 mil, dependendo do nível do competidor. Desde 2012, atletas contemplados com a bolsa também têm direito de portar outros patrocínios, de forma a agregarem mais recursos para se dedicarem à prática esportiva.

O programa prioriza atletas de modalidades que compõem os programas dos Jogos Olímpicos e dos Jogos Paralímpicos, mas também contempla atletas de esportes não olímpicas. Além disso, preenchidos os requisitos para obtenção de vagas, os contemplados podem também participar do Programa Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas, criado em 2008 pelo Ministério da Defesa em parceria com o então Ministério do Esporte, tendo à sua disposição todos os benefícios da carreira militar, além das instalações para treinos e preparações.

Segundo estatísticas do antigo Ministério do Esporte, os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, serviram para medir o impacto do Bolsa Atleta. Naquela ocasião, quase 80% dos atletas que representaram o país eram bolsistas. No Rio, o Brasil teve a maior campanha da história; dos responsáveis pelas 19 medalhas conquistadas (sete de ouro, seis de prata e seis de bronze), somente os atletas do futebol não eram bolsistas.

No entanto, há críticas ao programa, no sentido de que os investimentos em prospecção de talentos, capacitação e infraestrutura não são satisfatórios, como se observa no Relatório 007.333/2014-5, do Tribunal de Contas da União, assinado pelo relator Augusto Sherman Cavalcanti. Ele apontou problemas intrínsecos que ainda persistem na estruturação do programa, evidenciando a falta de instalações esportivas para a iniciação na prática da modalidade, a indisponibilidade de infraestrutura ou equipamentos qualificados e a indisponibilidade de professores ou técnicos capacitados. Isso denota que, com o passar do tempo, os investimentos estão sendo direcionados aos atletas já consagrados e de alto nível, enquanto a raiz do esporte olímpico – a base e as escolas – não tem tido o suporte necessário.

Há de se observar que, em 2018, as categorias “Atleta Estudantil” e “Atleta de Base” deixaram de existir. Até o ano anterior, havia 698 jovens contemplados nessas categorias, as duas com as menores bolsas oferecidas pelo programa. Com essa redução, jovens atletas com potencial para se tornarem grandes nomes do esporte nacional perderam uma fonte de renda em seus lares, muitas vezes inviabilizando treinamento e preparação. No mesmo período, houve aumento de 28,3% no número de beneficiados na categoria “Atleta Internacional”, indicando que a linha adotada é no sentido da manutenção das bolsas de atletas consolidados, mesmo que em virtude disso as jovens promessas acabem sendo preteridas.

O Bolsa Atleta foi tratado como prioridade no plano de metas para os 100 primeiros dias do atual governo federal, com proposta enviada pelo presidente da República ao Congresso para que sejam investidos R$ 70 milhões ao ano, a fim de modernizar o Bolsa Atleta, renovando suas categorias.

O caso brasileiro contrasta com o de grandes potências olímpicas, como Estados Unidos, China e Grã-Bretanha. Esses países têm grandes investimentos em infraestrutura esportiva nas escolas, fomentando a prática desportiva desde cedo, num ciclo que tem se mostrado extremamente eficiente. Nos Jogos Olímpicos de Londres, o jornal Telegraph conseguiu levantar a origem de 81% dos atletas da delegação britânica, e descobriu que cerca de 70% deles eram oriundos de escolas públicas.

Já os Estados Unidos têm centros de formação em excelência; o comitê olímpico do país investe pesadamente o dinheiro arrecadado com patrocínio e doações na formação e capacitação de atletas. Em 2014, foram arrecadados US$ 272 milhões pela entidade, e 94% desse valor foi repassado para o desenvolvimento dos centros de treinamento e dos desportistas.

No caso da China, o Projeto 119 foi o trampolim para o sucesso atual do país asiático. Criado em 2002, tem como grande centro a Escola de Shichahai, onde as crianças selecionadas em suas cidades são preparadas desde os 6 anos, treinando sob forte rigor e disciplina.

O Bolsa Atleta brasileiro tem contribuído positivamente para a manutenção da carreira de nossos atletas de alto nível, possibilitando estabilidade, condições de manutenção de treinamento e preparação, mas se mostra incapaz de formar um celeiro de campeões, não atingindo as escolas, onde a educação esportiva deveria ser de alto nível.

Assim, o esporte de ponta tem sido garantido pelo Bolsa Atleta, e é evidente que os atletas de alto rendimento devem seguir sendo beneficiados e contemplados com os incentivos governamentais, a fim de conceder visibilidade às diversas modalidades, com vitórias no curto e médio prazo para o país – mas, sobretudo, para que os jovens os usem como exemplo. E, a partir daí, há de se voltar de forma profunda para a base dessa pirâmide, que são as escolas e os jovens brasileiros; e, com essa consciência, trabalhar na formação de centros de excelência em educação e esporte, para alcançar maior potencial olímpico.

Sandro Rafael Bonatto é advogado especializado em Direito Desportivo. Leonardo Pontarola de Azevedo é acadêmico de Direito, com atuação na área de Direito Desportivo.

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