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| Foto: Victoria Silva/AFP

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442-DF, agendou para os dias 3 e 6 de agosto a realização de audiência pública que discutirá aspectos interpretativos dos artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam, respectivamente, o aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento e o aborto provocado por terceiros. Segundo consta, a audiência pública foi convocada para “discutir questões constitucionais controversas (...), considerando o desacordo jurídico razoável sobre a matéria (...)”.

Em síntese, o STF discutirá a abrangência e a extensão do direito à vida, previsto no artigo 5º, caput, da Constituição Federal. Onze homens comuns, que cometem erros e acertos, invocaram para si o poder de dizer (e definir) quando começa a vida humana. Não vamos entrar nessa discussão, por falta de conhecimento ou por falta de consenso entre os próprios estudiosos da área. Pretendemos aqui somente levantar alguns pontos – e esperamos contar com a paciência do leitor.

Em primeiro lugar, imagine que a descoberta de água em Marte se confirme (como de fato parece ter ocorrido). Qual será a notícia do dia seguinte em todos os jornais e revistas científicas? “A vida em Marte é possível!” – dirão os amantes da ciência. Segundo, pense em um cidadão comum que, por qualquer motivo, impeça a procriação de um animal sem a devida autorização. Sim: responderá por um crime, previsto no artigo 29 da Lei 9.605 de 1998, porque a sua conduta colocou em risco o equilíbrio ecológico e a preservação da fauna. A essa altura acreditamos que o leitor tenha compreendido aonde queremos chegar.

Não é preciso ser especialista, estudioso ou intelectual para perceber as coisas óbvias

Não é preciso ser especialista, estudioso ou intelectual para perceber as coisas óbvias. Muito pelo contrário: a sabedoria vem do senso comum, de pessoas que vivem a realidade do dia a dia e, por isso mesmo, são capazes de fazer julgamentos corretos, sem a influência de ideologias ou receio de desagradar determinado grupo.

Especula-se sobre a vida em outro planeta apenas pela constatação da existência de água; e processa-se criminalmente um indivíduo (com razão) porque ele impediu a procriação de um animal. Mas, curiosamente, cogita-se que um feto com dois meses e 29 dias não seja um ser humano. Pior que isso: além de não se tratar de um ser humano, muitos afirmam ser o feto nada mais nada menos que matéria (uma coisa, tal como uma caneta). A essas pessoas cabe a simples pergunta: que outra coisa vocês conhecem que é gerada dentro do ventre materno e, em algum momento, se torna um ser humano? Ou: se o feto não é um ser humano em formação, o que é?

Esse questionamento qualquer pessoa sincera e não comprometida com alguma agenda é capaz de fazer. Ao fazê-lo, a razão lhe mostrará que o aborto é o ato mais repugnante que se possa imaginar.

Mas a ministra relatora considerou haver desacordo jurídico razoável sobre o tema. Ousamos discordar: não há desacordo jurídico razoável algum.

Ora, a Constituição Federal garantiu a inviolabilidade do direito à vida; o Código Penal de 1940 prevê o aborto como crime contra a vida (à época, ao contrário de hoje, ninguém questionava a vida do feto). Pergunta-se: onde o desacordo jurídico razoável? Pode haver (e ninguém há de negar) desacordo ideológico ou doutrinário; mas, jurídico, não.

Leia também: O abortismo recorre ao STF (editorial de 12 de março de 2017)

Nossas convicções: Defesa da vida desde a concepção

Não se pode alegar, como alguns o fazem, que o Poder Legislativo federal omite-se no seu dever de legislar sobre a questão. A não ser que o Código Penal tenha sido revogado ou esteja em desuso, essa tese só convence quem desconhece as leis vigentes.

Fosse para discutir seriamente a matéria, no mínimo o STF deveria questionar a constitucionalidade da norma penal que permite o aborto em caso de estupro, hipótese em que o feto é viável (saudável) e não há risco à gestante, contrariando o direito constitucional à vida, em nítido (e grave) desacordo jurídico. Aqui há inércia legislativa.

Vale a pena ainda afastar dois mitos frequentes na discussão sobre o aborto. O primeiro é aquele que afirma que quem defende a criminalização do aborto o faz por motivos religiosos. Bom, se assim fosse, deveríamos então descobrir o motivo pelo qual até mesmo os pagãos da Grécia antiga eram contra a prática do aborto muito antes do nascimento de Jesus Cristo. Mais: será que os ateus modernos são unânimes em defender o aborto? Óbvio que não.

O outro mito tem relação com o discurso que defende o aborto em virtude de a mãe não ter condições (financeiras ou psíquicas) de cuidar do próprio filho. De início (para o desespero das feministas que ignoram a origem do próprio movimento), seria interessante uma pesquisa que perguntasse às mães brasileiras se elas estavam plenamente realizadas, econômica e emocionalmente, quando deram à luz e se hoje estão arrependidas por ter gerado um filho.

Opinião da Gazeta: Déspotas esclarecidos (editorial de 1.º de agosto de 2018)

Leia também: Um aborto processual (artigo de André Gonçalves Fernandes, publicado em 24 de junho de 2018)

É curioso notar que os argumentos abortistas são dirigidos, em especial, às pessoas mais vulneráveis (pobres de periferia, em regra), como se necessitassem de lição de moral de um intelectual que vive no mundo abstrato das ideias.

Concordem ou não os ministros, é fato que não há espaço para flexibilizar a norma penal. Se for para permitir o aborto, que sejam honestos e digam que a decisão é contrária à Constituição e à vida humana, e não percam tempo com discursos retóricos sem nenhum significado. Nem invoquem princípios imaginários, tirados da cartola como se decorressem da dignidade humana e aplicados sempre que o julgador quer decidir contra o texto constitucional. E, se o caso, que assumam que governam o país, apesar das leis – cientes de que o pior tipo de ditadura é a do Judiciário.

O propósito deste artigo, como disse um pensador brasileiro, não é mudar o rumo da história, mas atestar que nem todos estavam dormindo enquanto a história mudava de rumo.

Augusto Bruno Mandelli é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e membro do Movimento Magistrados para a Justiça.
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