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Imagem ilustrativa.| Foto: Gilson Abreu/AEN

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário da Embraer contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no sentido de não reconhecer a validade de dispensa de 4,2 mil trabalhadores, em 2008, sem a prévia negociação coletiva com o sindicato da categoria.

A empresa aproveitara-se da crise de 2008 para justificar uma redução abruta no quadro de empregados, motivada por prejuízos que amargara nos últimos anos. Decisão empresarial acertada e em conformidade com a legislação, segundo seus defensores.

O tema da dispensa coletiva suscitou acalorado debate na Justiça do Trabalho até que o TST, ao julgar o caso Embraer, entendeu pela necessidade de negociação coletiva antecedente, para basilar um processo de demissão em massa. Aqui, é importante destacar: a decisão não coíbe a prática de dispensas coletivas, mas indica ser imprescindível a negociação entre empresa e sindicato de trabalhadores.

É interessante, antes, explicar o que é “dispensa coletiva” ou “em massa”. Segundo Orlando Gomes, ela ocorre quando há “a rescisão simultânea, por motivo único, de uma pluralidade de contratos de trabalho numa empresa, sem a substituição dos empregados”.

A magistratura trabalhista brasileira consolidou entendimento de que os empregadores gozam de pleno poder para dar ou não continuidade aos contratos de trabalho dos empregados, cabendo a denúncia vazia, isto é, a dispensa sem justa causa, trazendo-lhes como consequência somente o dever de indenizar o demitido com a multa sobre o FGTS. Sob esse viés, diferentemente do que ocorre em outros países ocidentais, os trabalhadores brasileiros não deteriam proteção contra o ato de demitir, ressalvadas as hipóteses das estabilidades previstas em lei. Este parece ser o principal fundamento utilizado pelos defensores da prática de dispensa coletiva, isto é, não haveria óbice legal.

Sob outro enfoque, a Constituição Federal (artigo 7.º, I) estipula a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa como direito fundamental de trabalhadores urbanos e rurais. Sem ingressar na polêmica se essa garantia carece de regulamentação por lei complementar, certo é que ela não traz (e nem poderia) expressões vãs. Também na Constituição encontram-se entre os fundamentos da República brasileira a dignidade da pessoa humana (artigo 1.º, III) e o valor social do trabalho (artigo 1.º, IV), além da função social da propriedade (artigo 170, III).

Parece claro que essas normas constitucionais, além de convenções da OIT tendo o Brasil como signatário, permitem concluir por existir, sim, proteção legislativa no país contra a dispensa arbitrária e sem justa causa. Ainda que não seja este o entendimento dominante na jurisprudência e doutrina brasileiras, deve-se observar as nuances quando o assunto é a dispensa coletiva.

As demissões em massa produzem efeitos econômicos e sociais deletérios que não se restringem às famílias dos trabalhadores demitidos, pois têm potencial de afetar a vida de todos aqueles que prestam serviços diretos ou indiretos à empresa ou aos seus empregados, ora demitidos. A história tem sido generosa em exemplificar situações de caos econômico e social gerados por decisões empresariais. Muitas vezes, cidades inteiras, antes prósperas, tornam-se fantasmas. Milhares de pessoas veem suas vidas completamente destruídas por causa de uma decisão contra a qual não podem resistir; fechar uma fábrica aqui para abrir lá, em troca de um pequeno aumento na margem de lucro, mas retirando de um contingente enorme de pessoas o seu sustento.

Havendo demissão em massa, conferir a trabalhadores o direito a negociar coletivamente, por intermédio do sindicato, para minimizar os danos sociais e econômicos causados pela demissão está em consonância com os princípios e valores que regem a Constituição. Nesses casos, os sindicatos atuam não somente como representantes dos demitidos, mas como voz coletiva de toda a comunidade injustamente afetada.

Nasser Ahmad Allan é advogado trabalhista e doutor em Direito.  

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