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Protesto contra a eleição de Lula em Brasília nesta terça-feira (15)| Foto: EFE/ Joédson Alves

As eleições de 2022 revelaram um Brasil dividido, não apenas pelo seu resultado, mas pela indisposição ao diálogo que domina a cena política, provocando um acirramento de ânimos que perdura no ambiente de trabalho, nas famílias e no convívio em geral, sobretudo nas redes sociais. Estamos todos esgotados, exauridos por não sermos ouvidos, malgrado também não desejemos ouvir a opinião dos contrários, esmagando na acidez das palavras tudo quanto nos pareça antagônico.

O fato é que, passadas mais de três décadas da promulgação da Constituição Federal de 1988, ainda não aprendemos a lidar adequadamente com a democracia e, muito menos, a respeitar as normas que nos governam. Uma Constituição não é uma lei qualquer, mas um projeto de sociedade. Estamos — e precisamos estar — todos nós a ela vinculados, não por temor, mas por amor. E este sentimento deve transcender qualquer paixão política ou ambição pessoal.

O Poder Judiciário é o incumbido constitucionalmente de dirimir conflitos, disso não se podendo furtar por capricho, vaidade ou interesses inconfessáveis. Quando age assim, renuncia ao seu dever constitucional e deixa a sociedade num vazio de respostas.

Todavia, os agentes políticos no Brasil, insertos em qualquer dos poderes constituídos, são os que estimulam a desobediência e, com isso, deseducam a sociedade. Temos mais de uma centena de emendas constitucionais, guiadas por esse ou aquele governo, provocadas por essa ou aquela conveniência parlamentar, que vão retalhando a Constituição e, assim, deformando-a, de modo que a comunidade aprende que as regras são secundárias, podendo ser alteradas sem nenhuma cerimônia e refutadas segundo a perspectiva pessoal de cada um.

A insatisfação acerca do resultado eleitoral é legítima, mas somente pode ter sustentação aquela contestação formulada à luz de fundamentadas razões jurídicas. De igual modo, o Poder Judiciário é o incumbido constitucionalmente de dirimir conflitos, disso não se podendo furtar por capricho, vaidade ou interesses inconfessáveis. Quando age assim, renuncia ao seu dever constitucional e deixa a sociedade num vazio de respostas.

Por outro lado, esse desamor à Constituição explica o agigantamento das ações perpetradas pelo Poder Judiciário que, através das suas mais altas cúpulas, não apenas amordaçou o Poder Executivo, mas silenciou o Poder Legislativo. E quando o Parlamento se cala, o povo reage, retomando para si o exercício do poder que delegou aos seus representantes.

O gesto cívico ideal seria a autocontenção do Judiciário, abrindo caminho para a retomada de um diálogo sadio com o Poder Executivo e estancando a asfixia que tem provocado ao Parlamento.

Mas, indiferentes ao devido processo legal, o STF e, mais recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral, instituem o arbítrio e — à rédea solta — impõem censura aos cidadãos, cassam a voz de parlamentares, instauram inquéritos sombrios, invadem o patrimônio de pessoas físicas e jurídicas, quebram sigilos, violam a intimidade, decretam prisões ilícitas, entre outros excessos que vemos crescer a cada dia. A situação nos faz lembrar um juiz descrito na obra do escritor austro-húngaro Franz Kafka, para quem o princípio das decisões é o de que a culpa é sempre indubitável e, portanto, dispensa provas.

É contra isso, sobretudo, que a população está se manifestando. Perplexa, embora pacífica, vigorosa parte da população brasileira ocupa as ruas, aglomerando-se diante dos comandos das Forças Armadas, numa súplica incomum, precisamente porque os três poderes da República não lhe dão ouvidos: o Executivo silencia; o Legislativo se esconde; e o Judiciário ocupa um espaço que lhe não pertence.

Não parece ser apenas o resultado do último pleito eleitoral realizado para a escolha do futuro presidente da República o que anima essas manifestações, mas todo o processo que o antecedeu e o sucede, comandado e ratificado sobretudo pelo Supremo Tribunal Federal, a quem competiria a guarda da Constituição, mas que vem, de há muito, sufocando-a, trazendo como consequência o desequilíbrio entre os poderes da República e a indignação de parte expressiva da sociedade brasileira.

Admitamos que a ferida ainda aberta na nossa memória, provocada pelos tempos da ditadura militar, confunde o papel constitucional das Forças Armadas, cujas funções — nesses tempos de anomalia política — são a de garantir o império da lei e a recomposição da ordem nacional, ante a inexorável violação dos poderes constitucionais no Brasil. Não são chamadas a intervir para assumirem o poder, mas para garantir o seu perfeito funcionamento, devolvendo aos poderes constituídos o ambiente para um harmonioso comando da nação, pacificando, assim, a sociedade.

Mas precisamos disso? Falta humildade às nossas lideranças! O gesto cívico ideal seria a autocontenção do Judiciário, abrindo caminho para a retomada de um diálogo sadio com o Poder Executivo e estancando a asfixia que tem provocado ao Parlamento, sobretudo quando uma nova legislatura está prestes a ocupar o Congresso Nacional. Cumpre agora acenar à nação com um gesto de reverência, reconhecendo que o Estado existe para o povo e não o contrário.

Mas enquanto proclamam à comunidade internacional que o Brasil é uma democracia e que respeita a sua Constituição, os ministros de nossas Altas Cortes desdenham da população. “Perdeu, Mané!”, resumiu o iluminado Roberto Barroso. Oxalá a voz das ruas seja ouvida a tempo e modo adequados.

Flávio Henrique Santos é advogado.

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