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Os dispositivos que determinavam a transmissão com­­­pulsória de "A Voz do Brasil" viram-se revogados com a Constituição de 1988

Aos 22 dias do mês de julho de 1935 foi ao ar pela primeira vez o Programa Nacional, embrião de A Voz do Brasil. A partir de 1938, passou a ser obrigatória sua retransmissão por todas as emissoras de rádio do país, obrigação que hoje se busca fundamentar no Código Brasileiro de Telecomunicações.

Apesar das mudanças na formatação do programa, visando a adaptá-lo a modernos conceitos de jornalismo, bem como o tom menos formal, com direito a um remix do O Guarani, de Carlos Gomes, que agora assume versões em ritmo de samba ou forró, o aspecto autoritário ainda prevalece e o programa segue soando como parcela de um passado que a Constituição Cidadã de 1988 quis enterrar.

Calcadas nessa incompatibilidade da obrigação de transmissão com a Constituição, entidades representativas e emissoras de rádio em atuação autônoma buscaram na Justiça o direito de não transmitir o programa.

O Sindicato das Empresas de Radiodifusão e Televisão do Estado do Paraná, por exemplo, garantiu às emissoras de rádio por ele representadas o direito de transmitir o programa até meia-noite do mesmo dia e não mais obrigatoriamente entre 19 e 20 horas. Contudo, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região acabou por reverter a medida e as emissoras foram obrigadas a retomar a transmissão.

Algumas emissoras atuaram por conta própria e garantiram o direito de transmissão das 19 horas do dia de competência até 19 horas do dia seguinte e seguem buscando, processualmente, o direito de não mais ter de exibir o programa, cuja essência autoritária não se coaduna com os princípios albergados pela Constituição de 1988.

O argumento primordial é de que o programa foi idealizado ao tempo da Ditadura Vargas, sob a égide da Constituição "Polaca" de 1937. À época, cabia à divisão de radiodifusão do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), subordinado ao presidente da República, além de organizar e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo, também "fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funções recreativas e esportivas de qualquer natureza, de radio-difusão, da literatura social e política, e da imprensa".

Em 1962, já às portas do regime militar iniciado em 1964, a transmissão do então denominado "programa oficial de informações dos Poderes da República" tornou-se obrigatória em todas as emissoras de rádio do país, com o advento do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), no horário das 19 h às 20 horas.

Com a chegada da Constituição de 1988, houve a redemocratização do país, com a presença de garantias inéditas, dentre as quais o artigo 220 da Constituição Federal de 1988, garante que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". E o §1º, do mesmo artigo, determina que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.º IV, V, X, XIII e XIV".

Dessa forma, os dispositivos que determinavam a transmissão compulsória de A Voz do Brasil viram-se revogados e, por isso, abolidos do ordenamento jurídico pátrio. Isso porque nasceram atrelados a órgãos voltados à censura, ao controle dos meios de comunicação pelos governos, postura incompatível com um regime democrático.

Neste Estado Democrático de Direito, não se compatibilizam posturas governamentais onde se impõe restrições a liberdade de imprensa, limitando a atuação dos meios de comunicação, pelo contrário, fomenta-se uma imprensa livre, crítica e fiscalizadora.

Certas questões seguem em aberto. Dentre elas o tratamento desigual dado às transmissoras de rádio em relação às de televisão, essas últimas desobrigadas da veiculação do programa. A desigualdade calcar-se-ia no fato de que apenas o rádio acessa os pontos mais extremos do país, enquanto que a televisão tem menor abrangência, argumento totalmente retrógrado levando-se em conta a globalização atual. O tratamento distinto desconsidera que nas áreas centrais a televisão tomou o espaço do rádio e que, nas áreas extremas, não há argumento que justifique a necessidade de as transmissões serem exatamente entre 19 e 20 horas.

Até o momento, a questão segue em aberto. A decisão final está nas mãos do Supremo Tribunal Federal, que ainda não se posicionou. As expectativas, no entanto, são positivas, seja no sentido de flexibilizar a obrigação quanto no de aboli-la por completo, dada sua incompatibilidade com as normas constitucionais atuais.

Diego de Pauli Pires é advogado.

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