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No mês passado, enquanto todos comentavam sobreo absurdo de o governo federal ter alertado as polícias militares e civis sobre a prisão de membros do movimento sem-terra (MST), enfatizando o cuidado que os agentes deveriam ter para não serem acusados do crime de abuso de autoridade, eu só conseguia pensar em uma coisa. Duas, na verdade. Ambas dizem respeito à interpretação.
O comunicado enviado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário foi assinado pela ministra Cláudia Maria Dadico. Ao solicitar “extrema cautela” na decretação da prisão em flagrante ou da prisão preventiva, a ex-juíza federal parece ratificar a legitimidade da manifestação esquecendo alguns fatos importantes.
A advocacia em favor do MST, um movimento que diz lutar por reforma agrária, mas o faz invadindo terras produtivas é feita pelos mesmos que defendem que uma mãe educadora perca a guarda do filho sem ter cometido crime algum
O Abril Vermelho é uma celebração anual da memória do confronto ocorrido em Eldorado do Carajás, no dia 17 de abril de 1996, entre o movimento e a polícia militar do Pará. Na ocasião, em que quatro mil militantes protestavam pela aceleração da desapropriação dos 40 mil hectares da Fazenda Macaxeira, 21 deles foram mortos. O resultado foi a criação do Ministério da Reforma Agrária, na semana seguinte, e a transformação da fazenda no assentamento 17 de abril, no ano seguinte. O desenrolar dos acontecimentos parece ter confirmado aos integrantes do MST que o movimento mexicano Zapatista havia entendido perfeitamente como as coisas funcionam.
O ano anterior foi marcado por outros 440 conflitos. Anos depois, em 2001, dois integrantes queimaram dois hectares de soja transgênica da Monsanto, no Rio Grande do Sul. Cinco anos depois, 2 mil militantes da Via Campesina, movimento do qual o MST faz parte, invadiu e destruiu as instalações da Aracruz Celulose, no mesmo estado.
Em 2009, mais uma invasão de propriedade ganhou as manchetes e o vídeo da destruição dos laranjais da Cutral e repercutiu em todo o país. Há exatos 10 anos, mulheres da Via Campesina destruíram 15 anos de pesquisa em biotecnologia da FuturaGen, uma empresa da Suzano, em Itapetininga, São Paulo. Neste ano de 2025, ao menos até o mês de maio, foram contabilizadas 53 invasões.
De acordo com o parágrafo sexto do artigo 144 da Constituição Federal, as polícias militares e civis são subordinadas aos governadores dos estados. Nem o Ministério da Justiça e da Segurança Pública pode arrogar deliberadamente a competência dos governadores sobre elas, imagine o que um ministério sem qualquer relação direta pode fazer.
Ainda que o documento não seja uma diretriz, mas uma manifestação política de apoio ao movimento de invasão de terras, por que a preocupação com a prisão dos invasores, se a Constituição Federal resguarda ao preso o desfazimento da prisão ilegal no inciso LXV do art. 5º? Por que a singela menção ao crime de abuso de autoridade? Omitir-se de comunicar um crime, embora não seja um crime, é, ao menos, uma contravenção penal punida com multa. Além disso, de acordo com o art. 302 do Código de Processo Penal, as autoridades policiais possuem a obrigação funcional de prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
A advocacia em favor do MST, um movimento que diz lutar por reforma agrária, mas o faz invadindo terras produtivas – destruindo plantações e pesquisas –, propriedades privadas, coagindo os moradores a abandonarem os lares, e terras convenientemente localizadas em frente ao mar – cujo valor venal é, geralmente, um dos mais caros da região, é feita pelos mesmos que defendem que uma mãe educadora perca a guarda do filho sem ter cometido crime algum. Por fim, a segunda coisa, como as pessoas ainda não conseguem notar a incoerência em florear um crime e perverter uma virtude?
Isadora Palanca é escritora, ghost writer e revisora, com formação em Direito, mediação e especialização em Direito e Processo Civil. É autora dos livros “Ensino domiciliar na política e no direito”, “Regulamentações do ensino domiciliar no mundo” e “AFESC: em defesa do ensino domiciliar”, e procura famílias que pratiquem homeschooling fora do Brasil para o próximo livro.



