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Desde criança, costumava acampar com minha família na região de Piraquara, na Serra do Mar e nos Campos Naturais de Ponta Grossa. Lembro muito bem das paisagens idílicas que, posteriormente, fui reconhecer em livros como os do naturalista Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853). A beleza e a pujança nos davam a falsa impressão de que essas paisagens e suas riquezas jamais iriam acabar.

Mais tarde, passei a compreender a importância ecológica dos ambientes naturais e a necessidade de manutenção da fauna para a preservação da flora e vice-versa. Aprendi que os elementos da natureza possuem um equilíbrio dinâmico e, se uma parte for subtraída, todo o ecossistema será comprometido, mais cedo ou mais tarde.

Essa constatação assumiu contornos dramáticos quando meu pai me contou que ao se tornar piloto comercial, no início dos anos 1950, um de seus maiores temores era que o motor sofresse uma pane, pois ele simplesmente não teria onde pousar sua pequena aeronave: voando de Curitiba a Foz do Iguaçu, não havia clareiras, somente a mata fechada, com árvores altíssimas. Da janela do avião ele via o paraíso. Menos de 70 anos se passaram e constatamos que a maior parte da biodiversidade do Paraná, assim como do Sul do Brasil, foi destruída. Junto com as florestas, foram-se também os animais.

A maior parte da biodiversidade do Paraná, assim como do Sul do Brasil, foi destruída

Ao longo de meus 32 anos de carreira, sempre fotografando áreas naturais, já conheci parte desses ambientes bastante alterados. Também presenciei a terrível redução de alguns biomas. Muitas vezes, os fragmentos restantes não têm ligação entre si, criando verdadeiras ilhas de sobrevivência para a fauna. Boa parte dessas ilhas são hoje unidades de conservação, públicas ou privadas. Nelas vive uma preciosa amostragem de flora e fauna que precisa ser protegida com empenho e rigor.

No entanto, além da constante destruição de florestas nativas, campos, restingas e manguezais, convivemos também com a caça de animais silvestres, atividade criminosa que é realizada apenas por diversão, pelo simples prazer de matar. São pessoas que agem com extrema crueldade, como podemos constatar nos vídeos que passaram a circular recentemente nas redes sociais e mostram caçadores matando duas onças-pardas, também conhecidas como pumas ou leões-baios.

Os pumas foram perseguidos, encurralados e mortos a tiros, pauladas e com a ajuda de cães – que também podem ser gravemente feridos e mortos nessas ações. Eram uma fêmea e seu filhote que, quase por milagre, tinham conseguido sobreviver numa área natural em Santa Catarina até serem localizados pelos caçadores que depois exibiram seus corpos como troféus.

Leia também: Desmatamento em Pontal do Paraná traz prejuízos incalculáveis (artigo de Juliano Dobis e Peterson Leivas, publicado em 4 de julho de 2018)

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Ao contrário do que muita gente acredita, as imagens desses vídeos não são uma exceção e, sim, a regra: refletem a brutalidade e o desrespeito pela vida que movem os caçadores. A maioria deles age nas sombras. Suas ações são encobertas no interior das florestas. E quem fica sabendo, normalmente, não denuncia: porque são cúmplices ou porque temem por suas próprias vidas. O áudio de um dos caçadores deixa isso bem claro, numa ameaça direta àqueles que não concordarem com suas atitudes.

Em meu trabalho junto à natureza, é bem comum encontrar vestígios de caçadores. Foi assim na expedição ao Rio Floriano – que nasce e termina dentro dos limites do Parque Nacional do Iguaçu, local de difícil acesso, protegido e fechado à visitação. Também foi assim na Serra do Mar, onde estive recentemente. Ali encontramos um acampamento que tinha sido abandonado às pressas, pois havia até comida quente. Acredito que, naquele momento, estávamos na mira dos caçadores. Essas cenas se repetem em quase todas as Unidades de Conservação, de Norte a Sul do Brasil, onde são encontrados acampamentos e armadilhas de todo tipo. Nesses locais, a principal reclamação dos gestores diz respeito à caça.

Essa atividade criminosa vem reduzindo de forma irreversível a biodiversidade. Em todos os biomas do Brasil, a supressão de animais silvestres atinge níveis assustadores: do tráfico de animais, passando pelo abate de aves e mamíferos com o absurdo objetivo de comer uma carne diferente, até a caça que busca, única e simplesmente, tirar a vida, demonstrar força e poder. Os caçadores permeiam todo o espectro social: desde pessoas humildes até gente com diploma universitário. Trata-se de uma atividade cruel, injustificável e que pode levar muitas espécies à extinção, causando enorme desequilíbrio aos ambientes naturais que nos restam.

Em todos os biomas do Brasil, a supressão de animais silvestres atinge níveis assustadores

Esse quadro devastador poderá se tornar ainda pior se houver a regulamentação da caça no Brasil. Sem recursos e fiscalização, será a senha que os caçadores esperam. Será a licença definitiva para matar. Em nosso país, não existe a menor justificativa para que isso aconteça: temos uma grande diversidade de espécies – a maioria delas com pequenas populações – que dependem umas das outras para sobreviver. E os animais que habitam os diversos biomas também são imprescindíveis para a existência desses locais.

Matar os animais nativos é matar as florestas e, junto com elas, os nossos rios e tudo aquilo de que nós, seres humanos, dependemos para viver. É como um castelo de cartas: quando uma é retirada, tudo vem abaixo. E o argumento de que é preciso caçar os animais exóticos, como o javali, também não tem respaldo científico. A caça faz com que, por sobrevivência, essas espécies invasoras se reproduzam com maior velocidade, aumentando o problema. Assim, o controle deve ser feito somente por profissionais habilitados, com critério e estudo, de forma a produzir o menor impacto sobre os ambientes naturais e seus habitantes.

Temos uma grande oportunidade de servir de exemplo para outros países. Ao proibir a caça e proteger as Unidades de Conservação, poderemos transformar a nossa biodiversidade em motivo de atração de turistas de todo mundo, movimentando a economia de forma inteligente e sustentável. A presença de animais do topo da cadeia – como o puma e a onça-pintada – é um grande atrativo para pessoas interessadas em conhecer a vida selvagem, visitar e fotografar ambientes naturais. Em todo o mundo, as atividades relacionadas à contemplação da natureza vêm crescendo e gerando divisas. Vamos manter nosso maior patrimônio e mudar essa história. Não à caça e sim à preservação e manutenção das Unidades de Conservação e de nossa biodiversidade!

Zig Koch é fotógrafo de natureza, sócio-fundador da Associação de Fotógrafos de Natureza do Brasil (Afnatura) e parceiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC).
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