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O presidente Lula é responsável por mais um ineditismo nacional: nunca na história deste país os ditados, adágios, metáforas e frases espirituosas tiveram tanto valor administrativo. Na realidade, pensam os críticos, eles constituem a sua forma de governar o país. Agora mesmo, para resumir a bagunça caótica da aviação comercial brasileira, recorreu à história do cachorro que tem vários donos e morre de fome pois cada um acha que outro alimentou o bichinho e deixa de lhe dar comida. Mas, que mal pergunte: e quem é o dono dos donos do cachorro? Mas, já que o "zeitgeist" (espírito do tempo) é esse, vamos lá.

Há muita gente que acha que nunca se saberá realmente o que aconteceu com o avião da TAM porque filho feio não tem pai. Um aeroporto inacabado, um avião voando com o sistema de freios incompleto em um dia de chuva, uma absoluta falta de autoridade a permear tudo e todos competem ferozmente pela duvidosa honraria de ter gerado esse monstrengo.

Outros acham que nesse, e em muitos outros assuntos, o governo Lula está mais perdido que cachorro que caiu de caminhão de mudança. No caso da energia e do ambientalismo, por exemplo, a ambigüidade é absoluta pois, de um lado, está na cara que vai faltar energia no país se não forem imediatamente iniciadas as obras das novas hidrelétricas e, de outro, os ambientalistas do ministério e do Ibama resistem ferozmente à idéia de conceder-lhes o licenciamento indispensável. No meio, o governo Lula não decide nem para um lado nem para outro; ou seja, não quer nem que o veado morra nem que a onça passe fome.

No capítulo da corrupção, existe um entrechoque permanente entre dois grupos de amigos dos governantes e do poder: alguns são mais vivos e espertos que cavalo de contrabandista enquanto que outros – os que apuram os malfeitos – são mais lentos que tropeiro de lesma. E o que acontece é que os assuntos começam e terminam mais enrolados que cristal para viagem e os culpados saem mais faceiros do que gordo de camiseta.

Enquanto essas coisas acontecem, em muitas áreas o governo está mais empacado que burro em atoleiro e os problemas vão sendo empurrados com a barriga à espera que o tempo se encarregue de resolvê-los. Mais ou menos como aquele sujeito que pulou do décimo andar e que quando passou pelo terceiro pensou: "até aqui tudo bem".

Adágios, ditados e metáforas têm o dom de explicar as coisas por vias tortas e divertir ou intrigar os ouvintes, mas não substituem a ação, a disposição real de enfrentar e resolver problemas com profissionalismo. Enquanto a CPI do Apagão Aéreo prefere investigar as causas do acidente da TAM da maneira mais sensacionalista e amadorística de que se tem notícia, atropelando as técnicas e protocolos internacionalmente utilizados, mandando "observadores" aos Estados Unidos para "acompanhar o trabalho dos peritos" e improvisando deputados como tradutores para entender a transcrição das caixas-pretas do avião, ficamos sem saber realmente o que levou um setor exemplar por muitas décadas a deteriorar-se de maneira tão dramática no país. Mas como evitar que se monte um verdadeiro circo de horrores quando um assunto de enorme complexidade técnica é tratado de maneira tão frívola, com vazamentos seguidos de informações e a disputa, quase que à tapa, dos microfones e câmeras da TV para que parlamentares gozem seus 15 segundos de fama (Andy Warhol previa 15 minutos mas com tanta gente disputando o estrelato, o tempo teve de ser reduzido). E aí vão os bravos representantes do povo teorizar sobre reversos, spoilers, manetes na posição certa, falhas humanas e técnicas aeronáuticas. Tudo com aquilo que meu professor Alexander McEarchern chamava de "desenvoltura dos leigos" (pois só os leigos falam daquilo que não entendem com desenvoltura; os sábios falam com recato e reserva). Ao largo, os verdadeiros técnicos, treinados e especializados em aeronáutica e acidentes aéreos assistem consternados.

Pois é. Bem dizia o Barão de Itararé que de onde menos se espera, daí é que não sai nada. Mas eu – mais desconfiado que cachorro em canoa – prefiro recorrer à frase de meu querido amigo Jayme Canet Junior: aceito tudo dos outros, menos que queiram me passar um atestado de burrice.

PS: Fico em dívida com um leitor que me pede por e-mail que eu comente o episódio do Marco Aurélio Garcia. Desculpe-me, mas não gasto vela com mau defunto. Ou então, na linguagem da terra dele, o Rio Grande do Sul, não gasto pólvora com chimango.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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