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"Pelo que fizeram, se hão de condenar muitos. Pelo que não fizeram, todos. A omissão é o pecado que não se faz fazendo."Pe. Antônio Vieira

Não há dúvidas sobre qual recurso natural será considerado mais valioso ao longo deste século. Já no seu início há atritos instalados entre países contíguos provindos da disputa pela água ou, no mínimo, agravados por esta disputa. De forma mais aguda, nos próximos decênios, serão as terras úmidas ou os aqüíferos os impulsionadores dos conflitos territoriais e até de guerras regionais.

À medida que a demanda pela água é crescente o planeta dá sinais claros de que está chegando ao seu limite da disponibilização de suprimento da demanda requerida, muito em função da destruição de mananciais, utilizados até como cloacas em ocupações indevidas. Se no século XIX cada ser humano necessitava de 50 litros por dia para sua existência, hoje a média é de 800 litros, tendendo a ser amplificada, à medida que aumenta o consumo de água para a industrialização de bens de consumo e o aumento das áreas agrícolas.

Porém, o que ocorre é que o acesso à água é brutalmente desigual em todos os continentes e tal quadro tende a se acentuar. A estimativa atual é a de que mais de um bilhão de pessoas não possui acesso mínimo à água. No Brasil costumou-se associar as zonas naturalmente áridas ao Nordeste, porém já está presente em várias regiões do Sul, Sudeste e Centro-Oeste sintomas de desertificação mais ou menos incipientes, causados pelo desmatamento desenfreado e conseqüente desaparecimento de nascentes e cursos de água, até então perenes. A estiagem na bacia amazônica, a maior bacia hidrográfica do planeta, foi um outro sintoma grave, resultado do desmatamento local, porém associado também à mudança climática global.

Em função deste quadro, no tabuleiro do jogo financeiro do grande capital, já foram iniciados os movimentos das pedras por parte das grandes corporações privadas que exploram o comércio de água para abastecimento público. Uma das ações mais contundentes é o convencimento dos fracos governos centrais a entregar, de vez, sua natural prerrogativa da captação, tratamento e distribuição de água. A água é tida como o último importante nicho em que ainda o poder público exerce domínio. Na maioria dos países quase todas as atividades inerentes ao Estado já estão privatizadas, sendo comandadas por fortes grupos econômicos, que destroem o equilíbrio do mercado pela eliminação de possíveis concorrentes. O domínio pela água, em virtude da escassez, seria, então, um grande mercado de obtenção de lucros. A mercantilização da água, na verdade, já começou, e várias cidades importantes e até nações inteiras, como a Inglaterra e a França, já entregaram seu gerenciamento a grupos privados. A maioria delas sofre com o jogo praticado por estes grupos, cujo único objetivo, sem dúvida, é a amplificação de seus ganhos e de capital.

Próceres deste descaminho usam o argumento capcioso de que "a água nas mãos de grupos tecnicamente habilitados seria melhor gerenciada e, portanto, mais eqüitativamente distribuída à população". Falácia pura. Tome-se nosso exemplo caseiro dos pedágios, em que contratos assinados por um governo débil e sem o mínimo de compromisso com os cidadãos a quem representava, permitiu poderes feudais a corporações que praticam preços aviltantes sob o beneplácito de juízes constrangidos, presos a uma visão minimalista de justiça. Não será de outro modo com a água. A diferença fundamental é que esta substancia é primordial para a sobrevivência individual do ser humano e, assim, o domínio indevido da mesma significa, sem dúvida, o controle intolerável da vida das pessoas e, portanto, de toda a sociedade.

Alguns desavisados imaginam que a água pode ser comparada ao petróleo em termos de importância. Ledo engano. A água é muito mais importante e, pelo fato de ser vital, é um recurso inalienável: não pode ser comercializada para a geração de lucros, mas apenas, e tão-somente, para que recursos financeiros sejam carreados para a execução de seu correto gerenciamento. Por este motivo a necessária existência de uma tarifa social baixa, mas que por outro lado deveria ser mais alta para consumidores individuais, que usam volumes muito além de suas necessidades básicas. Outra falácia é o argumento de que o desperdício seria coibido caso a tarifa fosse alta, cuja cobrança estaria em mãos privadas, naturalmente. Isto não procede. A quase totalidade da água a ser consumida pelo setor agrícola (70%) e pelo setor industrial (20%) e, assim sendo, são os consumidores destes dois setores que precisam ser questionados sobre o uso descontrolado em suas atividades fins.

Ora, o risco que corremos hoje é o de vermos, generalizadamente, situações como a do Chile, que sofre sazonalmente com um provocado desabastecimento de água, em função da pressão pelo reajuste sistemático de preços por parte das instituições privadas que controlam a água naquele país. Uma espécie de "pedágio" pelo consumo da água. Aqui, nas paragens da terra dos (já escassos) pinheirais, uma disputa intestina que quase nos jogou na grave situação chilena, foi ganha graças a boa persistência do presente governo estadual. Aliás, para que o risco seja de vez eliminado, o ideal seria a Sanepar livrar-se o quanto antes de seus sócios privados.

Por fim, sugiro que o debate seja permanente em torno do tema e que nunca percamos de vista a importância fundamental que é o controle estatal da água, mesmo que através de concessão se for o caso, da sua captação, de seu tratamento e de sua distribuição. Afinal de contas, o acesso a esse recurso, que nos garante a própria vida, precisa ser universal e condizente com nossas necessidades individuais básicas de subsistência.

Que cada um de nós faça a sua parte, com a mão na consciência no que tange a economia, racionalização e reuso deste bem natural, patrimônio da humanidade.

Paulo Salamuni é procurador do município, vereador de Curitiba no seu 5.º mandato popular e líder do Partido Verde na Câmara Municipal de Curitiba.

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