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À medida que a Copa do Mundo se aproxima, ficam mais evidentes as dificuldades que teremos para receber um evento dessa magnitude. Ao mesmo tempo sentimos engrossar um coro popular de insatisfação com o campeonato. A percepção geral de que trazer a Copa para o Brasil foi embarcar em uma canoa furada (ou na Canoa de Caronte) tem suas explicações. Não precisamos nos lançar em análises sociológicas profundas para compreender por que boa parte da população, além de não aderir ao esperado clima festivo, manifesta uma rejeição à Copa. Para compreender esse cenário precisamos pensar que as obras da Copa não podem nem mais ser taxadas de atrasadas; afinal de contas, boa parte delas será entregue bem depois do Mundial.

O "legado da Copa" – criativo nome dado àquele miraculoso pacote-brinde de benesses que viriam para mitigar nossas mazelas, conforme postulavam os crédulos – mostra-se cada vez mais decepcionante. Os gigantescos estádios levantados em cidades onde provavelmente não haverá demanda futura e, ainda por cima, a construção do estádio mais caro do mundo são de causar perplexidade.

Se refletirmos sobre os problemas da Copa, que agora transbordam pelos meios de comunicação, percebemos que eles são um reflexo daquilo que vivemos em nossa realidade cotidiana mais pedestre.

Como construtor de obras, eu já me acostumei com o fato de ser procurado para a contratação de uma obra que muitas vezes começa com o seguinte pedido: "Só temos um rascunho do projeto, mas temos de começar a obra assim mesmo e precisamos terminá-la dentro do prazo e custo". Nada mais contraditório. Nessas horas, a elaboração prévia do projeto completo e do planejamento fica em segundo plano. Para nós, profissionais da construção, é frustrante verificar que essa postura do contratante muitas vezes ocorre desde a obra particular até as grandes obras empresariais. Portanto, é natural que as obras da Copa sigam essa mesma cartilha: "Vamos começar a obra, depois a gente vê aquelas coisas de projeto e planejamento...". Uma pena!

Quanto ao "legado da Copa", desde o início já sabíamos que se tratava de uma fantasia em que queríamos acreditar. Está no código genético do brasileiro a ideia do salvador da pátria, uma pessoa ou solução milagrosa que vem e resolve nossos problemas sem que tenhamos de nos ocupar com o dever de casa. Assim, a Copa do Mundo "cairia como uma luva": além da festa do futebol, traríamos uma vida melhor para nosso povo. Doce ilusão!

A construção das arenas-elefante não deveria surpreender a ninguém. Questionar por que nosso país embarca na construção de grandiosos estádios que nem de longe são prioridades nacionais tem exatamente o mesmo sentido de perguntarmos por que uma família de orçamento apertado embarca na compra de um carro que está além de sua renda e que irá "esculhambar" o orçamento doméstico. Por que será? Novamente a Copa imita nossa vida e nossa cultura.

Por fim, deixo aqui minha percepção de que esta Copa do Mundo, jogada no quintal de nossas casas, não traz nada de novo, a não ser a exposição pública de antigos problemas. Teremos a Copa que merecemos, assim como temos o Congresso que merecemos. Porém, fica a nós, brasileiros, o chamamento para mudar esse estado de coisas, para ter mais responsabilidade na forma como conduzimos tanto os pequenos eventos de nossas vidas quanto os grandes eventos de nosso país.

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