Quase metade do mercado de cigarros no Brasil está nas mãos da ilegalidade (48%), segundo dados acompanhados anualmente pelo Instituto Ipec Inteligência. Considerando as regras tributárias atuais para o setor, o prejuízo estimado foi de R$ 10,2 bilhões para os cofres públicos, apenas em 2021. Na soma dos últimos 10 anos, essa quantia alcança a incrível marca de R$ 86 bilhões. É preciso considerar estes dados ao se discutir políticas de desestímulo ao tabagismo, que também possam ter impacto positivo no combate ao mercado ilegal.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), por meio do guia para implementação do artigo sexto da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (2010), apresenta como sugestão aos Estados-membros a adoção de políticas tributárias e, quando apropriado, políticas de preços mínimos para produtos derivados do tabaco com o objetivo de reduzir o seu consumo. Essa estratégia tem fundamento na teoria microeconômica: produtos que causam algum tipo de dependência no consumidor, geralmente, são inelásticos – ou seja, um aumento de preço induz a uma pequena variação da demanda. Logo, além de criar um desestímulo ao consumo, a ação aumentaria a arrecadação do Estado. Porém, essa estratégia apenas será efetiva se não existir um produto substituto que burle as regras – como é o caso do cigarro ilegal.
Ao acompanhar a evolução do mercado ilegal de cigarros no Brasil, principalmente na última década, é possível perceber que a estratégia de desestímulo ao consumo de cigarro não está funcionando. E, pior, está contribuindo para manter a margem de lucro do contrabando de cigarros alta e, possivelmente, sustentando uma fonte de receita do crime organizado.
Entre janeiro de 2012 e setembro de 2021, o preço mínimo do maço de cigarro legal produzido pela indústria nacional aumentou quase 67%. A arrecadação do Brasil com o IPI registrou crescimento médio de apenas 0,86%, a arrecadação com o Pis-Cofins baixou 0,05% e a arrecadação total do governo federal, com base no segmento de cigarros, também apresentou taxa negativa de -0,38%. Verifica-se, portanto, uma tendência de queda na arrecadação federal.
Entre 2013 e 2019, enquanto o mercado formal de cigarros apresentava tendência de diminuição, houve aumento da participação de cigarros ilícitos no total das vendas. Esse comportamento do consumidor pode frustrar o aumento de arrecadação esperado, quando se eleva o tributo para desestimular o consumo. Por outro lado, um equilíbrio tributário, com a adoção de faixas específicas para diferentes produtos de tabaco vendidos de forma legal, pode ser uma saída positiva, já que as outras medidas se mostraram ineficazes.
É preciso apontar, ainda, a repressão das forças de segurança como medida importante no combate à ilegalidade, quando acompanhada de medidas econômicas. Os dados mostram que as apreensões aumentaram nos últimos anos e, ainda assim, não foi possível inibir a entrada do produto ilegal no país. Por isso, é importante a discussão de uma revisão tributária com foco no combate à ilegalidade.
Em 2019, o mercado ilegal de cigarros alcançou 57% de participação – o patamar mais alto. Em 2020, esse número caiu oito pontos percentuais em consequência do cenário de pandemia mundial e alta do dólar. Ainda assim, o consumidor brasileiro, hoje, tem acesso a um cigarro ilícito até 65% mais barato. Novamente, o impacto positivo esperado com a estratégia de desestímulo ao consumo de cigarros não acontecerá enquanto existir um substituto para o cigarro legal.
Sendo assim, o ponto central a ser discutido é que a estratégia de elevar preço via tributos e preço mínimo para desestimular o consumo de cigarros precisa ser revista. A compensação do custo social esperada vem se mostrando abaixo das expectativas. E o mais grave, essa estratégia criou uma reserva de mercado para criminosos que, possivelmente, financiam outras atividades criminosas com os lucros do mercado ilegal de cigarros no Brasil.
Matheus Nicola é doutorando em economia da Universidade de São Paulo (USP), Mario Antonio Margarido é doutor em Economia Aplicada pela ESALQ/USP e Pery Shikida é professor associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
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