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Woody Allen, em um de seus filmes, vive torturado pela presença da mãe tirânica e seu desejo é que ela desapareça e o deixe em paz. Um dia, a mãe desaparece e ele se sente absolutamente aliviado, feliz, pronto para realmente gozar a vida. No instante seguinte, ele começa a se torturar novamente com a perspectiva de que a mãe apareça novamente e acabe com sua alegria. Os economistas e analistas em geral do panorama econômico se parecem com o personagem de Allen: passam metade do tempo torturados pelas crises, pela recessão iminente nos Estados Unidos, a crise do petróleo, a estagnação européia, a permanente inapetência para o consumo dos japoneses e suas repercussões mundo afora. Quando as coisas melhoram, passam a se torturar com a possibilidade de que os bons tempos acabem logo, que o aumento do consumo e o aumento dos índices das bolsas nada mais seja do que uma bolha pronta a explodir a qualquer momento. Uma parte dessas preocupações é verdadeira, outra esconde um gigantesco mundo de especulação à custa dos menos informados.

Chega a ser divertido acompanhar as piruetas lógicas a que os analistas são obrigados a se submeter para defender seus pontos de vista. O que parece ao leigo uma boa notícia vira motivo de alarme ou de euforia, de acordo com o gosto do freguês. Outro dia, o governo norte-americano divulgou estatísticas mostrando que as vendas de casas novas tinham atingido um recorde. Boa notícia, não parece? Americanos ricos para comprar casas significam americanos ricos para comprar outras coisas, importar mais, estimular a economia mundial, certo? Errado. Segundo alguns analistas, se a venda de casas está tão aquecida, é sinal de que os juros americanos irão subir para evitar um surto inflacionário. Se os juros americanos subirem, os juros internacionais também subirão e com juros mais altos a recessão mundial não tardará. Complicado demais para mentes pedestres como a minha e, imagino, a de muita gente.

Daí para análises convolutas a respeito da situação brasileira é um passo. Mas, com a licença dos doutos, ouso colocar a colher de pau nesse mingau e lembrar que não é necessário recorrer a explicações muito sofisticadas para entender algumas coisas que estão acontecendo por aqui. Em primeiro lugar é preciso sempre lembrar que os estrangeiros estão tão eufóricos com o mercado de capitais e o mercado financeiro no Brasil porque, com o dólar estabilizado, seus ganhos em reais viram ganhos em dólar, ou seja, quando um investidor na Bovespa vê o índice médio passar de 34 mil pontos em junho de 2006 para 52 mil em maio de 2007, ele verifica que seu investimento rendeu 53%. E se o valor do dólar não aumentou, isso significa que ele ganhou 53% em dólar. Não é preciso ser nenhum gênio da raça para entender porque a bolsa brasileira está inundada de dinheiro estrangeiro.

E não vamos complicar a mente do leitor perguntando o que acontece quando o valor do dólar não permanece igual e sim cai 17% como aconteceu entre junho de 2006 e maio de 2007. Respondo assim mesmo: ele ganha mais 19% pois quando trouxe seus dólares em junho de 2006 recebeu R$ 2,32 por cada um deles e agora quando for comprá-los para enviar de volta ao seu país de origem irá pagar R$ 1,94 pelos mesmos dólares que lhe custaram R$ 2,32. Ou seja, ganha mais do que o investidor brasileiro, pois para ele não existiu inflação; ao contrário, os "preços" baixaram.

Essas contas esotéricas é que ajudam a entender o enigma do câmbio brasileiro. Passamos anos a fio ouvindo os maiores economistas deste país jurando que a equação era simples: quando o dólar sobe, a exportação sobe. Quando – ao contrário – cai, a exportação despenca. Agora essa explicação está desmoralizada: o dólar cai e a exportação caminha a passos largos para o maior volume de todos os tempos e o superávit da balança comercial deve alcançar quase US$ 50 bilhões. Portanto, é inútil esperar que, salvo um cataclisma de proporções mundiais ou uma crise nacional insuperável (ambos improváveis), a moeda americana se valorize no curto prazo entre nós. E se eu estiver errado, como tantas vezes no passado? Então, meus caros, se ocorrer um cataclisma mundial ou uma crise nacional insuperável, o menor de nossos problemas será o valor do dólar.

Resumo da ópera: o Brasil – que já não era para amadores – agora é menos ainda. E em vez de ficar lamentando o valor baixo da moeda americana, nossos industriais e governantes deveriam entender que essa oportunidade para modernizar radicalmente a economia, a infra-estrutura pública e a tecnologia brasileiras é raríssima e tem de ser aproveitada. Antes que a mãe do Woody Allen volte.

Belmiro Valverde Jobim Castor é autor de "O Brasil não é para amadores".

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