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Depois que os publicitários resolveram criar substantivos, pastas de dentes passaram a ter refrescância e cervejas ganharam o atributo da botecabilidade. Agora que as calçadas de Curitiba estão deixando de ser pistas de obstáculos e de crateras lunares, com lousinhas desalinhadas, buracos e raízes de árvores irrompendo aqui e ali , e passaram a permitir que as pessoas pratiquem em paz o salutar e pouco moderno hábito de andar, podemos dizer que Curitiba ganhou em andabilidade.

A luta pela andabilidade não está vencida, pois além dos críticos dos pavers, há os nostálgicos do petit-pavé que se sentem andando nas belíssimas calçadas da Avenida da Liberdade em Lisboa enquanto tentam manter o equilíbrio nas pedrinhas desconjuntadas, malcolocadas e cheias de falhas da Avenida João Gualberto e do Centro. Mas as novas calçadas são um avanço contra a idiossincrasia de alguns poucos que preferiram martirizar os andantes durante muitos anos em nome de suas preferências estéticas e do rigor supostamente histórico.

Portanto, curitibocas, vamos aproveitar nossa recém-adquirida andabilidade, mesmo porque circular em Curitiba de qualquer outra forma virou um exercício de paciência e de resignação. A engenharia e o controle do tráfego de nossa cidade antes tão celebrados, foram miseravelmente derrotados pela "civilização do automóvel" contra a qual a cidade tentou lutar durante muitos anos. Infelizmente, trata-se de uma batalha perdida por dois motivos: ter um carro continua e continuará por muito tempo a ser o ícone supremo da ascensão social em nosso país; e os sistemas de transportes coletivos de Curitiba estão à beira da exaustão. Ou repensamos a cidade e as formas de se movimentar nela ou ficaremos sitiados, imobilizados.

Ninguém ainda calculou quanto está custando à população os engarrafamentos, o aumento do tempo de viagem entre a moradia e o emprego e vice-versa e o estresse coletivo provocado pela lentidão com que os veículos se movem. Não tenho visto mais aquelas estatísticas animadoras da velocidade dos ônibus curitibanos, que teriam aumentado substancialmente graças às intervenções no trânsito desde o primeiro governo de Jaime Lerner. Acredito intuitivamente que essa velocidade tem caído e não subido como no passado. Muito menos ainda se calculou quanto nós estamos pagando pelo dogmatismo tolo de alguns luminares do IPPUC que têm horror a trincheiras para a transposição de vias congestionadas e, por causa disso, fizeram da Linha Verde que poderia integrar os dois lados da antiga BR-116 um grande engarrafamento contínuo nas horas de pico, o que acontece também nas vias que deveriam servir para transpô-la. E que fizeram da trincheira recém-concluída da Rua Gustavo Ratmann uma obra interiorana, pequena e acanhada, que, depois de atormentar os vizinhos durante mais de dois anos para ser construída, não resolveu o problema da transposição da BR.

O sistema de transportes coletivos está à beira da exaustão, e enquanto se discute se o metrô é ou não é uma solução, com os críticos se esmerando apenas em provar que o metrô não o é, mas sem oferecer qualquer solução prática alternativa, os ônibus formam enormes comboios arrastando-se a poucos quilômetros por hora.

Curitiba virou uma cidade estranha: talvez seja o único lugar do mundo dito civilizado em que é virtualmente impossível tomar um táxi na rua, como fazem londrinos, cariocas, paulistas, pela simples razão de que a grande maioria dos taxistas faz parte de uma cooperativa qualquer de radiotáxi e só sai do ponto para atender chamadas prévias. Assim mesmo, em algumas horas do dia e em alguns dias da semana, um candidato a tomar um simples taxi telefonando para uma delas deve se munir de paciência para esperar 30, 40 minutos, pois simplesmente a frota não cresce há anos e o projeto da prefeitura para aumentá-la anda lentamente, esbarrando nos interesses corporativistas e cooperativistas dos taxistas e de seus aliados na Câmara.

É preciso repensar urgentemente a cidade, como fizeram Jaime Lerner, Agache e Jorge Wilhem. Sem idiossincrasias, com realismo e com atualidade. Os curitibanos merecem ter sua vivebilidade de volta.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUC PR.

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