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Além de bela e embaixadora da Boa Vontade, Angelina Jolie chama atenção pelas causas humanitárias em que atua, adotando lemas como “o mundo precisa de atitudes, não de opiniões. Opinião nenhuma mata fome ou cura doença”. Dias atrás, Angelina ganhou novamente destaque na mídia pela atitude tomada com base nos resultados de um teste genético preditivo. E tal atitude gera uma série de opiniões que vão desde comoção e apoio até acusações de jogada de marketing.

O teste preditivo feito pela atriz é uma ferramenta utilizada na medicina personalizada, uma nova tendência da medicina moderna. Como o próprio nome destaca, é uma forma de medicina pessoal, relativa a cada paciente, seu histórico familiar e o conjunto de informações diagnósticas e anamninéticas. Na medicina preditiva fala-se em possibilidades futuras.O fato de ser portador de um gene alterado possibilita avaliar probabilidades – e não certezas – de manifestar uma respectiva doença. Assim, um diagnóstico negativo não exclui a possibilidade de padecer da doença, e nem um diagnóstico positivo é uma sentença inexorável de enfermidade.

Nesse sentido, como se trata de possibilidade de desenvolver a doença, e não de certezas, a autonomia individual assume um papel importante na tomada de decisão. A autonomia, considerada como capacidade ou qualidade de um indivíduo tomar decisões próprias, parte do pressuposto de conhecimento sobre o assunto. A atriz inclusive declara que estava ciente dessa premissa. “Não é fácil tomar essas decisões. Mas é possível assumir o controle e combater frontalmente qualquer problema de saúde. Você pode procurar o conselho, aprender sobre as opções e fazer escolhas que são certas para você. Conhecimento é poder.”

Devemos nos prevenir contra um determinismo genético que desintegra a responsabilidade individual, coletiva e ambiental de cada um e ao mesmo tempo reduz a totalidade da vida e da saúde ao componente genômico

Neste caso, o “assumir o controle contra doença” precisa ser visto de forma cautelosa, pois incorremos no risco de adotar um paradigma da causalidade ao genoma. Como se ele fosse a Caixa de Pandora que contém em seu interior todos os males do mundo. Devemos nos prevenir contra um determinismo genético que desintegra a responsabilidade individual, coletiva e ambiental de cada um e ao mesmo tempo reduz a totalidade da vida e da saúde ao componente genômico. Como consequência dessa redução, vem o peso para a maioria das mulheres que gostariam de poder ter o controle de sua saúde através de um teste genético, mas, principalmente por questões financeiras, não têm acesso ao teste nem às cirurgias preventivas. Com isso, quero dizer às mulheres que existem outras formas acessíveis de prevenção. Se você não é a versão Lara Croft que salva a Caixa de Pandora e sua própria vida com um teste genético, pode ser uma versão humana e responsável que faz o exame preventivo, o autoexame das mamas e a mamografia regularmente, faz exercícios e tem uma alimentação adequada.

Este é um dos muitos casos em que a autonomia individual pode apresentar possíveis conflitos com a autonomia em sua dimensão plural ou comunitária. Neste caso, o principio da autonomia, embora importante, não é absoluto, prevalecendo sobre ele o principio da justiça. No Brasil, apenas 10% das mulheres já com câncer de mama conseguem uma mastectomia pelo Sistema Único de Saúde.

Daiane Priscila Simão-Silva, doutora em Genética, é professora de Ética e Genética e pós-doutoranda em Bioética na PUCPR.
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