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A Itália comemora os 150 anos da reunificação de forma tímida; sem o país, o mundo seria mais apagado

"HÁ vitórias que não se devem comemorar", sentenciava o barão do Rio Branco. Entre elas talvez estejam efemérides desconfortáveis por obrigarem a comparações melancólicas entre o sonho e sua frustrante realização, como os 150 anos da unificação alemã e italiana. Os alemães até que encontraram uma saída. Festejam os 20 anos da reunificação, data respeitável. Com isso, podem esquecer a proclamação na Galeria dos Espelhos de Versalhes do Segundo Reich, de infausta memória (18/1/1871). Para não falar no infame Terceiro Reich, o mais abominável Estado da história em termos da morte e do sofrimento que levou a dezenas de milhões de pessoas no mundo inteiro.

No caso da Itália, o problema não se deve à culpa em razão da destruição infligida aos outros, mas à vergonha pela dor causada aos próprios cidadãos. A interminável crise das instituições culminou num abismo de degradação moral incompatível com a mera evocação dos nomes dos fundadores da unidade, Mazzini, Garibaldi e Cavour. Compreende-se, portanto, que tenha passado quase em envergonhado silêncio a comemoração dos 150 anos da unificação, em 17 de março. Redimiu-se a data com a execução no Scala de Milão do "Nabucco" de Verdi, na presença do presidente Giorgio Napolitano e do triste personagem que ora chefia o governo.

Quando lentamente se ergueu, majestosa e comovente, a profunda massa coral do canto dos Exilados, quem a ouviu no teatro ou na imaginação não ousaria duvidar de que, sem a Itália, o mundo seria muito mais pobre e apagado. A dádiva da Itália é o espírito de Francisco de Assis e Dante, o gênio de Tomás de Aquino e Galileu, a invenção de Leonardo e Michelangelo, a graça de Giotto e Fra Angélico, a elegância de Rafael e Botticelli, a majestade de Masaccio e Piero della Francesca, o vigor de Ticiano e Caravaggio, o traço de Bramante e Palladio, a harmonia de Palestrina a Vivaldi, o teatro da Commedia Dell’Arte a Pirandello, a voz humana de Rossini a Verdi e Puccini, a agudeza do pensamento crítico de Maquiavel a Croce e Gramsci. Notável mais pelas omissões que as presenças, esta lista mostra como é vão tentar resumir o que recebemos da cultura italiana. Mesmo a beleza e a vida do espírito não bastam para definir o inconfundível na maneira de ser italiana: o profundo sentido de humanidade, aquilo que deu a Ladrões de Bicicleta, de Vittorio De Sica, e a Noites de Cabíria, de Fellini, sua marca inesquecível.

É essa humanidade que emanava dos velhos imigrantes italianos anônimos e humildes, que, no poema de Ferlinghetti, se sentavam nas praças de todas as sonhadas Américas dando migalhas aos pombos, esperando um a um a hora de morrer, o "nonino" de Piazzolla na Argentina, o nosso Volpi de mãos nodosas construindo suas molduras e fabricando suas tintas.

Em um romance de Cesare Pavese, um aluno pergunta: "Professor, o senhor ama a Itália?" E ele responde: "A Itália, não; eu amo os italianos". Como separá-los? No amor da beleza, na luta pela justiça e por tudo aquilo que torna os homens mais humanos, pode-se dizer que somos todos italianos, aplicando à Itália o que diz o salmo: "Em Jerusalém nasceu todo homem", pois nela estão nossas fontes.

Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.

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