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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Nestas eleições vemos uma disputa interessante, além da tradicional competição de promessas entre os candidatos: os dois lados acusam uns aos outros de serem uma ameaça à democracia. Ouvimos alegações de que lutar para direitos específicos para algumas minorias seja “democrático”, enquanto defender direitos iguais, questionar noções como dívida histórica e livre migração seriam antidemocráticos. Toda ideia do adversário é rotulada como antidemocrática. E isso basta para deslegitimá-la e não debater a questão no mérito.

Diferentes grupos políticos buscam legitimidade para seus projetos simplesmente rotulando-os como “democráticos”. Os dois principais candidatos e seus apoiadores fazem manifestos e discursos em nome da democracia, arregimentando para seu lado artistas e intelectuais. Recentemente, a democracia virou sinônimo de governos legítimos. A democracia é vista como “um valor em si mesmo”, quando na verdade já se chegou ao “fetichismo da democracia”, como se todas as esferas da sociedade devessem ser “democráticas”: restaurantes democráticos, empresas democráticas, praias democráticas... ou seja, não há espaço para livre mercado e hierarquias voluntárias. O termo “democrático” vira uma capa para cobrir interesses escusos. Fala-se em “democratização” para legitimar propostas que no fundo visam maior controle político sobre a sociedade civil. Confundem-se igualitarismo, liberdades individuais e democracia.

A democracia é vista como “um valor em si mesmo”, quando na verdade já se chegou ao “fetichismo da democracia”

Todavia, a definição sobre o que é democrático é complexa e não é consensual entre estudiosos da política. A primeira democracia foi Atenas, na Grécia Antiga, e dificilmente as características daquele governo seriam consideradas democráticas hoje: além da existência da escravidão, somente homens, proprietários e de uma certa idade podiam participar na política. Então, muitos definem a democracia como “o governo do povo para o povo”, mas ainda assim essa definição é vaga, pois democracia poderia ser definida pela popularidade de um governo e já tivemos ditaduras e regimes autoritários bastantes “populares”, além do fenômeno do populismo.

Há ainda a democracia como “governo da maioria”, mas corremos o risco de confundir democracia com tirania da maioria sobre as minorias. Outra visão comum é a que considera a presença de eleições como critério essencial e suficiente, mas eleições por si só não garantem que o regime seja democrático – já houve exemplos de regimes autoritários e ditaduras com eleições: o regime militar, no Brasil, com eleições disputadas entre Arena e MDB; ou Cuba, que faz eleições com apenas um partido.

Portanto, a definição de democracia não é trivial, pois envolve diferentes fatores como eleições, liberdades civis, igualdade de direitos, separação de poderes etc., ao ponto de existirem índices de democracia, como o da revista The Economist e o de liberdade e democracia da Freedom House. Ou seja, fala-se em graus de democracia, pois é difícil estabelecer com precisão o que é e o que não é democrático.

Rodrigo Constantino: Mentalidade antidemocrática (publicado em 11 de julho de 2017)

Leia também: Compromisso com a democracia (editorial de 2 de outubro de 2018)

A definição de democracia mais consensual entre estudiosos é a chamada “formal”, ou seja, democracia é um método para constituição de governos e de decisão política. Democracia é definida pela presença de alguns procedimentos e condições que compõem esse método: 1. divisão e independência entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; 2. os três poderes submetidos a um pacto constitucional; 3. representantes eleitos pelo povo, especialmente no Poder Legislativo; 4. eleições com reais alternativas de escolha; 5. direito a votar e ser votado apenas limitados à idade; 6. voto livre, secreto e baseado no princípio “um eleitor, um voto”; 7. liberdade de associação, expressão e imprensa; 8. eleição e decisão política baseada em alguma regra de maioria; 9. Impossibilidade de a maioria suspender os direitos das minorias; 10. condições concretas de alternância de poder entre partidos e grupos políticos. Nesse sentido, a democracia é menos definida em relação a valores e mais sobre como se decide politicamente.

Portanto, o comprometimento com a democracia não é um comprometimento com esta ou aquela ideologia ou partido, mas a adesão a essas dez regras e condições. A democracia não se defende na fala, mas nos fatos; não no slogan eleitoral, mas na prática de governo. E não raro parece que exatamente quem mais fala de democracia o tempo todo menos a pratica. A preocupação com os diferentes problemas sociais do país e o compromisso com essa ou aquela política de governo podem ser importantes, mas não garantem que esse ou aquele partido seja democrático ou não.

Lucas Azambuja é sociólogo e professor do IBMEC-MG. Adriano Gianturco é coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC-MG.
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