• Carregando...

Não há pretensão mais vã que tentar adivinhar o futuro. Previsões de analistas políticos, consultores econômicos, cartomantes, comentaristas esportivos e astrólogos diferem pela metodologia; não pelo nível de acertos. O mesmo acontece em urbanismo. Em relação à Curitiba do futuro, só se pode afirmar com certeza que será diferente da Curitiba do presente. Alguns fatos da história urbanística desta cidade podem ilustrar as surpresas do futuro.

Entre 1964 e 1966, o arquiteto Jorge Wilheim e o Ippuc desenvolveram um plano urbanístico para Curitiba. Em 1971, iniciou-se a aplicação do Plano Wilheim-Ippuc (com algumas modificações, tal plano vigora até hoje). A concepção das propostas ocorreu em um período de euforia econômica internacional, causada, entre outros fatores, pelo petróleo baratíssimo (a preços de hoje, o litro da gasolina da época custava uns R$ 0,35). Mas o viajado e cosmopolita Jorge Wilheim percebeu que cidades como Viena, Seul, San Francisco, México e São Paulo conviviam com a iminência de um colapso devido à profusão de automóveis, que emperravam os caminhos e tornavam a atmosfera irrespirável.

Ciente desse problema, ele inseriu no projeto para Curitiba um sistema de transporte público e o incentivo às caminhadas no Centro. Tratava-se de uma escolha, não de uma imposição. Em Curitiba, o colapso automobilístico só existia nas páginas das revistas de atualidades. No cotidiano, resumia-se a engarrafamentos em algumas ruas do Centro e colisões em esquinas sem semáforos.

Em 1972, o Brasil encontrava-se no auge da ditadura militar. Naquele ano, Augusto Lucena, prefeito de Recife, afirmava que, se ele governasse Roma e o Coliseu atrapalhasse o trânsito, mandava demolir o Coliseu. No mesmo ano, a prefeitura de Curitiba começou a calçar ruas do Centro, para desincentivar o tráfego e preservar a história da região. A prefeitura e o Ippuc temiam que alguma liderança militar preferisse um futuro de acordo com a solução recifense.

Porém, em outubro de 1973, veio o choque do petróleo. Nos nove meses seguintes, o preço da commodity subiu 600%. A postura do prefeito de Recife esgotou-se. Na situação oposta, em Curitiba, o sistema concebido para resolver as distantes mazelas do excesso de petróleo passou a servir às carências. Depois do ocorrido, os planejadores de Curitiba podiam propagandear que "previram" a crise de energia. Mas basta algumas visitas ao setor de diários da Biblioteca Pública para percebermos que nem sequer os governos dos países ricos previram as artimanhas dos produtores de petróleo. Os planejadores de Curitiba tiveram a sorte de formular uma solução para um problema que nem sequer imaginaram. A escolha de 1965 tornou-se obrigação em 1973.

Diante da imprevisibilidade do futuro, um pessimista ou um neoliberal poderão raciocinar que o planejamento urbano é desnecessário. Mas, desde o início, um pressuposto do Plano Wilheim-Ippuc repudiava tal descrédito. Já em 1965, Jorge Wilheim afirmava que o plano urbanístico poderia e deveria ser alterado, de acordo com o sucesso ou o fracasso dos resultados. Isso permite aos planejadores urbanos corrigir os próprios erros ou adaptar suas propostas aos desarranjos da economia, da política, do clima, ao mesmo tempo que detêm um entendimento cada vez mais minucioso da realidade urbana.

Assim, um projeto urbanístico deve ter uma única certeza: tudo pode mudar, inclusive o próprio plano. Essa maleabilidade diante do futuro permitiu que a aplicação do plano urbanístico de Curitiba já dure mais de quatro décadas.

Irã Taborda Dudeque, arquiteto, é professor da PUCPR.

Este texto faz parte de rodadas quinzenais em conjunto com os arquitetos Clovis Ultramari, Fabio Duarte e Salvador Gnoato. Tema desta rodada: o futuro das cidades

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]