• Carregando...

O próprio conteúdo das políticas federais de turismo criam campo propício para favoritismos e atos ilícitos, além de nem sequer tocarem nas questões estruturantes do turismo nacional

A sintonia política do PT com a ordem do capital fez com que o partido se distanciasse do campo social, frustrando forças populares de todo o país. A tônica operacional do governo no turismo acompanha essa lógica, o que fica evidente se comparado o Plano Nacional de Turismo 2007-2010 com a realidade das políticas que, não raras vezes, nada têm de públicas. Ao desconsiderar anseios coletivos e meios autônomos de organização em espaços que oferecem vantagens comparativas para investimentos em turismo, o Estado contribui com significativas reconfigurações socioespaciais subsidiando direta ou indiretamente investimentos privados em detrimento de projetos focados no bem-estar público. Tal processo envolve desde problemas infraestruturais até a inserção de comunidades como mão de obra barata, no qual o discurso da geração de empregos encobre a precariedade dos postos de trabalho, caracterizada por horas laborais excessivas, baixa remuneração, subcontratação, tempo parcial e falta de garantias.

Diante de constatações problemáticas, as quais não aparecem nas propagandas oficiais de turismo, o Estado deveria, por meio de políticas públicas consistentes, dar especial atenção a possíveis formas de propiciar maior equidade no processo de acumulação gerado pelo setor. Mas os encaminhamentos dos atores políticos estão na contramão dessa proposta.

Chamo a atenção para duas questões: 1) Nas últimas eleições, os repasses de emendas parlamentares aos chamados eventos promocionais foram priorizados em relação àqueles dirigidos às áreas de saúde e educação, fato que se caracteriza como clientelístico e, ao fim e ao cabo, acaba por fortalecer diversos currais eleitorais. Além disso, é questionável tratar como uma política pública a publicação de editais que nem sempre se efetivam se considerados os cortes orçamentários, assim como o é a permissividade da estrutura pública para a efetivação de eventos de natureza duvidosa, principalmente aqueles que se restringem no tempo e no espaço. Paralelamente, verifica-se a ênfase em cursos rápidos de capacitação para 2014 e 2016, em que o Estado entra para cumprir o papel que deveria ser do empregador no que se refere à qualificação de seus funcionários. Superfaturamento na confecção de materiais didáticos, proliferação de ONGs fantasmas, irregularidades em repasses têm sido os resultados mais efetivos de tal política. 2) De 2004 a 2011, a Embratur, autarquia responsável pelas campanhas mercadológicas do Brasil no exterior, teve gastos diretos consideravelmente superiores aos do próprio ministério. Evidencio que o foco na otimização da entrada de turistas estrangeiros sem políticas consistentes de fortalecimento do turismo interno minimiza as possibilidades de uso do tempo livre de muitos brasileiros em atividades turísticas e, paralelamente, serve como incentivo aos gastos no exterior. A equivocada noção existente nas esferas federal, estadual e municipal de que os processos de planejamento se restringem a mecanismos de elaboração e execução de campanhas mercadológicas está materializando um turismo cada vez mais caro no Brasil, fazendo com que a "viagem de inclusão" – a qual se propõe o Plano Nacional de Turismo 2007-2010 para as classes B e C – está muito mais propícia a ocorrer no exterior.

Feitas tais considerações, é possível apontar que há uma antipolítica de turismo por excelência neste país. Trata-se de uma obviedade que a sociedade deve repudiar qualquer forma de corrupção, mas precisamos ter em mente que o próprio conteúdo das políticas federais de turismo criam campo propício para favoritismos e atos ilícitos, além de nem sequer tocarem nas questões estruturantes do turismo nacional. Para começarmos a pensar em alguma possibilidade de equidade a partir de políticas públicas de turismo, mesmo que restrita aos marcos impostos pela racionalidade econômica vigente, será preciso uma total mudança de rumo, tanto na estrutura pública como no conteúdo das políticas.

Rodrigo Meira Martoni, bacharel em Turismo, é mestre em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento e professor do Departamento de Turismo e ex pró-reitor de Extensão da Universidade Federal de Ouro Preto/MG.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]