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Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado realiza reunião deliberativa para análise da PEC 6/2019, que modifica o sistema da Previdência Social.
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado realiza reunião deliberativa para análise da PEC 6/2019, que modifica o sistema da Previdência Social.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Dentre os modelos de aposentadoria existentes no Brasil, um sempre foi foco de questionamentos: a aposentadoria especial. Alguns a enxergam como privilégio indevido; outros, como resposta necessária diante da realidade vivida pelo trabalhador. Entretanto, a aposentadoria por tempo reduzido, aliada à falta de conhecimento por parte da população das peculiaridades deste modelo, causa espécie.

Tal modelo possibilita o recebimento do benefício sem idade mínima e sem a incidência do fator previdenciário, diminuindo sensivelmente o valor do benefício para trabalhadores que comprovaram o exercício de sua atividade profissional com exposição habitual e permanente a agentes nocivos.

Atualmente, as regras determinam que o trabalhador que comprovar 15, 20 ou 25 anos (dependendo do tipo de agente ao qual foi exposto) de trabalho com exposição habitual e permanente aos agentes de risco poderá solicitar ao INSS o seu sonhado benefício. Sendo assim, ao se aposentar nesta modalidade, ficará impedido de continuar exercendo a atividade que o expunha ao risco.

Antes que o leitor tenha a sensação de estamos diante de um indevido benefício, devemos lembrar que, em regra, a aposentadoria especial será concedida aos trabalhadores que, por exemplo, atuam em minas de carvão, lidam com explosivos, são expostos a agentes cancerígenos e outros. Além disso, haverá uma contribuição adicional para custear o benefício que permite a aposentadoria com menor tempo de contribuição.

É importante ressaltar que, em muitas localidades do Brasil, a fiscalização, seja por falta de material humano, aparatos técnicos e outros fatores, não consegue se fazer presente e detectar as situações indevidas a que o trabalhador é exposto, mesmo com várias normas regulamentadoras que determinam as condições mínimas para o exercício das mais variadas atividades. A aposentadoria nesses termos traz uma forma de compensação ao trabalhador que, pela exposição aos agentes nocivos, acabou por colocar de forma mais efetiva sua saúde em risco.

O que se percebe mais uma vez é que a conta será paga pelos trabalhadores da classe média e baixa

Segundo dados divulgados na 31.ª edição do Fórum Nacional do Instituto Nacional de Altos Estudos (Inae), o atual governo pretende diminuir em 90% o número de normas regulamentadoras. A medida certamente trará um significativo retrocesso na efetivação da segurança do trabalhador em seu ambiente de trabalho. Este fato é alarmante, pois, atualmente, o Brasil é o quarto país com o maior índice de acidentes de trabalho.

Todo o aparato normativo, seja no viés trabalhista ou no viés previdenciário, decorre do fato de que o legislador permitiu requisitos mais favoráveis para a obtenção do benefício. Porém, mesmo sabendo das normas existentes, da falta de fiscalização e dos demais fatores, o governo federal pretende, na prática, acabar com o benefício de aposentadoria especial. Um dos argumentos para a eliminação é o de que somente o Brasil prevê tal benefício, o que não é verdade. A aposentadoria especial existe em países como a Alemanha, para trabalhadores marítimos, e a Argentina. Uma das justificativas utilizada pelo governo é a de que mineradores na Alemanha, por exemplo, não recebem benefício especial. Contudo, não há comparativo entre a proteção utilizada pelos trabalhadores alemães e a oferecida aos brasileiros. Eliminar o direito sob o argumento de que ele não existe em um país avançado parece ser fácil. Difícil é dar aos trabalhadores brasileiros os mesmos direitos de trabalho em ambiente sadio e com uma fiscalização eficiente como nos países mais desenvolvidos.

Outro ponto que deve ser lembrado é que o fato de outros países não terem determinada previsão legal não significa que o Brasil erra ao tê-la. Temos realidades diferentes e devemos trazer benefícios que respondam ao que efetivamente existe em nossa realidade. Importar fórmulas prontas já se mostrou indevido e ineficiente.

Para que haja desenvolvimento, pessoas obrigatoriamente deverão trabalhar em ambientes nocivos e que têm enorme potencial de risco. Contudo, pelo texto atual da proposta de reforma da Previdência, apenas policiais (civis, miliares, federais e legislativos) e agentes penitenciários estariam com seu direito de aposentadoria especial garantido.

A atividade policial certamente gera riscos e deveria mesmo ser contemplada (com exceção da atividade de policial legislativo, posto que reconhecidamente não há qualquer risco nela), mas o que causa espanto é a omissão em relação a todas as outras categorias. O que motiva o reconhecimento de possibilidade em tempo reduzido a um policial legislativo e a impossibilidade para um eletricista, um coletor de lixo, um carvoeiro, entre tantas outras profissões com efetiva exposição a agentes nocivos? Levar essa grande massa de trabalhadores para a regra geral de aposentadoria apenas ao completar a idade de 65 anos para homens e 62 anos para as mulheres parece ir contra a realidade brasileira.

Imaginemos a cena: um eletricista de 64 anos pendurado em um poste na manutenção de linhas de alta tensão. É crível? Quem deveria ter se aposentado em tempo reduzido? Ele ou o policial legislativo (lembrando que aqui não estamos falando dos demais policiais e agentes penitenciários)?

O que se percebe mais uma vez é que a conta será paga pelos trabalhadores da classe média e baixa, e também por aqueles que trabalham nas atividades mais perigosas e penosas. Seria essa a nova previdência? Esta é a nova cara do Brasil? Onde ficou a ideologia que norteou o discurso de “acabar com privilégios”? Ou será que faltou avisar os brasileiros que, na visão dos que escrevem a reforma, privilegiados são os trabalhadores de classe média e baixa da população brasileira?

André Bittencourt, advogado atuante nas áreas de Direito Social e Direito Empresarial Previdenciário, é professor de extensão e pós-graduação em diversas instituições de ensino brasileiras.

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