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| Foto: Pixabay

Foram grandes os esforços da comunidade científica e tecnológica iniciados por volta da primeira década de 2000 para que o setor de ciência e tecnologia tivesse o seu Marco Legal e pudesse se alinhar com a estratégia de um desenvolvimento tecnológico. Com ele se espera inserir o Brasil de forma altiva e soberana no contexto mundial, deixando de ser um mero país exportador de bens primários, com participação de apenas 1,2% do comércio internacional (segundo a OMC) e importador de simples máscaras de proteção, como foi no caso da pandemia.

Foi a Emenda Constitucional 85, promulgada em fevereiro de 2015 pelo Congresso Nacional e comemorada como uma grande vitória do país, que nos dotou de um avançado aparato legal, colocando a inovação no topo da hierarquia legal. A flexibilidade da gestão, uma de suas metas, foi contemplada com o parágrafo 5.º do artigo 167 da Constituição. Por ele, o Congresso Nacional abria mão de sua prerrogativa de aprovar previamente qualquer remanejamento de recursos de uma categoria de programação orçamentária para outra, apenas para projetos de ciência e tecnologia. De fato, esse era, na época, um dos pontos mais sensíveis e que dificultava a implementação de projetos de pesquisa do país.

Porém, esse ponto viria a provocar uma reação de setores da burocracia pública que se negam a cumpri-lo. Disse certa vez Umberto Eco, filósofo italiano, que um projeto de pesquisa é um título, um objetivo, semelhante ao plano de viagem de quem vai de Florença a Roma. Sua rota pode ser alterada à conveniência do objetivo buscado, mas sem perder o objetivo, que é Roma. Reagir a isso é reagir à natureza da pesquisa científica.

Mas os projetos realizados no contexto do Marco Legal encontraram outras barreiras: a reação da burocracia contra o foco da prestação de contas nos resultados. Se um projeto de pesquisa visa teste de hipóteses, e para isso é necessário flexibilidade em sua execução, por certo sua prestação de contas também deve ter.

Por isso, a legislação – mais especificamente, no Decreto 9.283/2018 do Marco Legal, artigo 58 – é clara quando diz que a prestação de contas de um projeto de pesquisa deve ser o resultado e não suas formalidades. A menos das comprovações dos gastos e de seus nexos com o objeto pesquisado, as formalidades podem ser suprimidas como reza o conhecido, e em vigor, Decreto 200/1967, que já comandava, em seu artigo 14, que o trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco.

Segundo levantamento recente feito pelo Confies junto a 32 fundações de apoio que têm 679 projetos ativos com a Petrobras, não parece estar sendo seguida a regra do artigo 58 do decreto do Marco Legal. Das 428 prestações de contas finais apresentadas, e não quitadas, 402 (94%) delas tiveram seus relatórios técnicos aprovados e aguardam a formalização da quitação. Pior, a empresa ainda ameaça universidades e fundações de colocá-las em portal de inadimplentes, restringindo acesso a recursos. Um caso de puro arbítrio ou desalinhamento com o Marco Legal e a legislação do próprio controle.

Tem mais: para ser assinado um simples contrato de serviços técnicos especializados entre uma universidade e uma empresa, um dos objetivos centrais do Marco Legal, a norma infralegal exige o cumprimento de 32 requisitos, embora o artigo 218 da Constituição Federal promova o estímulo à colaboração entre os entes públicos e privados.

Não é à toa que o nosso país está atrasado nessa ligação universidade-empresa, um dos componentes do Índice Global de Inovação. Nele patinamos no 60.º lugar há quase uma década, perdendo para o México, Chile e Costa Rica na América Latina, justamente na era do conhecimento, quando as empresas e os países se diferenciam pela tecnologia que empregam.

Se nada for feito a fim de conter a rebelião da burocracia contra a vontade da nação, em breve teremos a lápide: “aqui jaz o Marco Legal”. Infelizmente.

Fernando Peregrino, diretor da Coppetec, é presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Universidades (Confies).

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