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Desde 5 de fevereiro de 2009, quando o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus 84.078, passou-se a se interpretar que a prisão só poderia ser executada após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos termos do artigo 5.º, inciso LVII da Constituição da República: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Os argumentos então utilizados pelo STF giraram em torno do fato de que a prisão preventiva poderia ser executada a qualquer momento e que a ampla defesa se exerce em todas as instâncias.

Nada obstante esse precedente, o STF pretendeu estabelecer novo paradigma sobre a questão, ao julgar, através de seu plenário, o Habeas Corpus 126.292, em 17 de fevereiro. Deliberou-se naquela oportunidade que a possibilidade de início da execução da pena condenatória pode se dar logo após a confirmação da sentença em segundo grau, e que esse procedimento não ofenderia o princípio constitucional da presunção da inocência.

O caminho mais fácil é atacar direitos e se regozijar com a sanha penalizadora do povo

Em primeiro lugar, e se é possível aceitar a argumentação de que princípios não são absolutos, também é correto afirmar que seu núcleo não pode ser reduzido ao ponto de perder completamente o significado. A prisão preventiva já é uma exceção ao princípio da presunção da inocência. Ela existe, é aplicada com frequência e atende às hipóteses nas quais o acusado apresenta ameaça à ordem pública, à instrução processual ou, ainda, se há risco de que venha a empreender fuga, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Precisamos reduzir ainda mais o núcleo do princípio da inocência até o ponto em que sem fundamentos para preventiva, e com recursos ainda pendentes, se possa decretar a prisão de um acusado? Será que não poderíamos estabelecer a seguinte regra: se há razões para se decretar a preventiva, que ela seja imposta; e se não há, que se aguarde o trâmite de todos os recursos?

Em segundo lugar, a argumentação do novo paradigma segundo a qual os recursos dirigidos aos tribunais superiores “não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito, quando se fixa a responsabilidade criminal do acusado”, como revela o acórdão condutor do habeas corpus em debate, soa no mínimo estranha. É que, por exemplo, a desclassificação de um crime mais grave para outro menos grave, sem discussão de fatos e provas, é matéria de direito. Mas que pode representar prisão ou liberdade. Em outra hipótese, a discussão sobre o parâmetro da pena, sem discussão de fatos e provas, também é algo que pode redundar em prisão ou liberdade. Se nesses dois hipotéticos casos seria fundamental que a ampla defesa fosse exercida em todas as instâncias, é de se imaginar quantos outros casos reclamam a mesma solução.

Em terceiro lugar, e se a questão não é jurídica (pois os argumentos do HC 84.078, como os dois acima, não foram superados), mas de política criminal (uma suposta “luta” contra a impunidade e contra a demora no julgamento dos recursos), pode-se indagar: por que os recursos nos tribunais superiores não são julgados de forma mais rápida? Por que tanto STJ quanto STF ficam sem realizar julgamentos durante 80 dias por ano (correspondentes as férias de janeiro e julho e recesso de dezembro)? Assim, os recursos poderiam ser julgados mais rapidamente, e as causas poderiam ter seu desfecho com a prisão, se assim todas as instâncias decidissem. Mas, em vez de mais julgamentos pautados na presunção de inocência e na ampla defesa, o caminho mais fácil é atacar esses mesmos direitos e se regozijar com a sanha penalizadora do povo. Poderíamos esperar isso dos programas policiais que infestam os lares. Não do Supremo Tribunal Federal.

Francisco Monteiro Rocha Júnior, advogado criminalista, é coordenador da pós-graduação em Direito e Processo Penal da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst), doutor e mestre em Direito pela UFPR e professor substituto de Direito Penal da UFPR.
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