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A pesquisa fez a sua parte na arrumação provisória da campanha, organizando a transição para a fase decisiva que começa a 15 de agosto, com os 43 dias de horário de propaganda eleitoral, até a véspera do voto nas urnas de 1.º de outubro.

Não foi pouco frear a cadência monótona de uma eleição decidida com larga antecedência – com o favoritismo absoluto do presidente-candidato Lula, que zombava dos adversários, acertava contas de velhas e escondidas invejas do recente inimigo de nascença, seu antecessor, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso e, sozinho na pista, corria o país nas asas do aerolula, na comédia das inaugurações de qualquer coisa ou de coisa nenhuma – e restabelecer a emoção indispensável de uma disputa para valer. E sacudir a indiferença da sociedade, curtida pela decepção e a vergonha da temporada de escândalos, fervendo com a recordista patifaria da operação Sanguessuga, incendiada com os pormenores da montagem da máfia, em 1993, com a criação da Planam, no primeiro mandato de FHC, mas que alcança o apogeu no reinado lulista.

Claro, Lula continua a pontear as pesquisas, com boa margem de diferença sobre o candidato oposicionista, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin. Mas, pela primeira vez, o candidato reuniu no seu pouco freqüentado gabinete no Palácio do Planalto a turma confiável de assessores para analisar índices, com o enfoque do risco de um segundo turno – que é outra eleição, com formato próprio e a sua carga mortal de imprevisibilidade.

Para uso externo, o grupo recitou a clássica justificativa da confiança na vitória no primeiro turno. Falácia que não resiste a um peteleco de lógica. Se as pesquisas não adivinham resultados, traçam as linhas das tendências. E, pelas duas últimas, a disparada de Lula perdeu o gás e, em vôo sereno, corta o tempo sem enfrentar turbulência além dos naturais balanços por entre as nuvens.

E, por falar em céu, manchas escuras no horizonte acendem os sinais de usar os cintos, quando nada, por mera precaução.

O insosso chuchu paulista, que pagou os seus pecados nas piadas dos humoristas e no traço galhofeiro dos chargistas, devagar, falando baixo, sem ênfase ou o calor de promessas e com o tempero de boa dose de sal ocupou uma razoável faixa do espaço vazio. No momento, é a ameaça distante nove pontos do favorito Lula. Firmou-se na polarização como o contraponto oposicionista. Com cacife para chegar a reta da verdade nos calcanhares do candidato ao bis.

A surpresa que engrena como a opção para a amargura dos desencantados, acelera por fora, longe dos ponteiros, mais perto a cada rodada de sondagens. Com seu jeito desabusado, a fluência repetitiva de algumas idéias fixas, como a redução dos juros para 16% em cima da posse, a senadora alagoana Heloísa Helena – expelida do PT, e que se retirou com o lenço do nariz para fundar o PSOL com o pequeno grupo dos informados com a cambalhota conservadora do torneiro mecânico – está fazendo um bonito. Obstinada, com a energia concentrada no corpo esguio, vestida com simplicidade, lenço amarrado na cabeça, óculos redondos de míope, faz praticamente a pé, em caminhadas de quilômetros diários, a campanha em estilo próprio e que cabe no modesto orçamento do partido de mãos abanando.

Terceiro lugar, longe dos cerra-filas embolados em índices de um dígito, com o salto de 6% para 8% ou 10% das últimas pesquisas, corre em faixa própria como a única opção viável para a hipótese de um dos dois favoritos despenque do galho e se esborrache na lona com pífio desempenho no horário eleitoral. Talvez deva controlar a língua para não espantar o eleitor com a violência dos adjetivos com que alveja os adversários, misturados no mesmo saco do desprezo.

A campanha tomou jeito, mas o cenário continua cada vez mais abagunçado e alarmante. A degringolada moral do Congresso baixou ao nível de sarjeta com as alarmantes dimensões do envolvimento de senadores e deputados no escândalo recordista. A trapaça urdida pelos diretores da empresa Planan, cooptava senadores e deputados para a apresentação de emendas ao Orçamento, na cota dos parlamentares, destinando verbas para a compra de ambulâncias, de ônibus escolares e equipamentos escolares superfaturados. Os agenciadores e seus comparsas cuidavam da aprovação das emendas e da compra e da mercadoria pelas prefeituras acertadas com a quadrilha. E molhava a mão de prefeitos e parlamentares com propinas de 10% a 15%.

Não é apenas mais um escândalo da safra do governo petista, na fila do mensalão e do caixa 2. Mas, o recordista absoluto. A denúncia dos investigados pela CPI lista 87 dos 513 deputados, três dos 81 senadores e dois ex-ministros e salpica lama para todos os cantos da suspeição.

Tema obsessivo para o resto da campanha, dos programas do horário eleitoral e dos debates anunciados pelas redes de televisão. E que deve priorizar a busca de uma proposta consensual de reforma política, que começa pela faxina moral do Congresso. Ou a campanha não acaba. E acaba muito mal.

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