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Imagem ilustrativa.| Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo/Arquivo

“Humildes”, “simples”, “pessoas de baixa renda”, “pessoas de menor poder aquisitivo”, “vulnerais”, “pessoas em situação fragilizada”, “pessoas em uma situação financeira não tão boa”, “as classes mais baixas” etc. Estas são só algumas das expressões que as pessoas aqui se esforçam para usar, às vezes intervaladas de tergiversação “ehm” ou “uhm”para evitar de falar “pobres”.

Quando as pessoas falam de pobreza, usam o termo “pobreza”, mas quando falam de pobres inventam termos incompressíveis. Existe a pobreza, mas não existem os pobres. Tentam esconde-los. Enquanto não se encarar os fatos e falar “pobres”, a pobreza nunca será resolvida. Não é condição suficiente, mas necessária. Não adianta fingir, não adianta esconder o problema de baixo do tapete.

A pobreza é a condição natural do ser humano, não há nada de estranho na pobreza, historicamente e estatisticamente falando.

A psicóloga Elisabeth Kübler-Ross explica as famosas 5 fases do luto: negação, raiva, negociação, depressão, aceitação. Estamos ainda na fase da negação, precisamos ir para frente. Pobreza não é pecado, não é culpa, não é doença do espírito, é apenas uma condição, não é uma condição do ser, nem é “ser”, é “estar”. Ninguém na verdade “é pobre”, no máximo “está pobre”.

A pobreza é a condição natural do ser humano, não há nada de estranho na pobreza, historicamente e estatisticamente falando o ponto fora da curva é a riqueza. A humanidade nasceu pobre, só recentemente o mundo ficou menos pobre, o mundo todo, alguns países mais, outros menos (de 1820 a 2015, a pobreza caiu de 94% para 9,6% e em 2018 foi para 8,6%). Cada um de nós nasce pobre e seus pais lhe dão comida e abrigo.

Pobreza não é só econômica e monetária, não é só falta de dinheiro. Pobreza é um conceito multifatorial, envolve falta de saneamento básico, analfabetismo, menor expectativa e qualidade de vida, mais desigualdade, mais corrupção, piores condição do meio ambiente. Tente ir para o exterior, conversar com um gringo e tente traduzir “pessoas humildes”, “pessoas simples”, e veja se e o que ele entende. Sem nem considerar que “humilde” e “simples” não têm absolutamente nada a ver com pobreza. Alguém poderia até considerar esses termos piores e mais ofensivos. O cara já é pobre e ainda tem que ser chamado de simples e humilde!

Existe a “pobreza absoluta” e a “pobreza relativa”, a pobreza absoluta se refere a padrões objetivos previamente definidos, segundo os quais alguém e algum país é ou não pobre. A pobreza relativa é em relação a algum outro fator, em comparação à media do país, em comparação a outros países ou em comparação ao passado. Existe a linha de pobreza mundial (que abrange quem ganha menos de 2,15 dólares por dia) e existem as linhas de pobreza de cada país. Na Etiópia, por exemplo, a linha de pobreza é de 2,04 dólares; na Turquia, 7,63 dólares e nos EUA 24,55 dólares. Segundo a linha de pobreza internacional, a Turquia e os EUA não são pobres; segundo a linha de pobreza dos EUA, toda a Etiópia é pobre. Os 40% mais pobres dos EUA equivalem aos 10% mais ricos do Brasil e os 40% mais pobres do Brasil equivalem aos 10% mais ricos da Índia.

Não é implicância, não é mania de grammarnazi, não é só o ponto de vista do peixe fora da água, é uma questão de conteúdo. As palavras não são termos vazios, são conceitos. Falamos como pensamos, mas em certa medida, pensamos como falamos. Negar a realidade impede de enfrentá-la.

Adriano Gianturco é coordenador de Relações Internacionais do IBMEC-MG.

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