• Carregando...

Na última segunda-feira, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou a expropriação de 51% das ações da empresa petrolífera espanhola YPF, administrada pela Repsol. O projeto de lei que declara o patrimônio da YPF como de utilidade pública e sujeito à expropriação tramita agora pelo Congresso Nacional argentino e conta com inúmeros simpatizantes e expressivo apoio da população.

No curto prazo, a medida, que tem cunho político – uma vez que as nacionalizações são sempre de caráter político e não econômico –, beneficia a própria presidente e a força aliada. A Argentina passa por uma crise econômica e social, que nos últimos meses se agravou e ameaça fugir do controle. Portanto, uma medida expropriatória, passando para as mãos do Estado ações pertencentes a um grupo estrangeiro, sempre agrada à população do país expropriante que, diante de uma crise, procura encontrar responsáveis. Assim, a expropriação da YPF vai ao encontro dos anseios do governo e da população argentina.

Mas a medida também tem outro lado, de longo prazo, que pode vir a representar um tiro no pé. Na comunidade internacional não é um bom negócio romper as regras do jogo; isto traz uma insegurança jurídica muito grande, o que pode vir a se refletir em toda a economia do país expropriante, pois a primeira reação é o corte nos investimentos diretos estrangeiros (IDE); nenhum país do mundo pode desprezar essa fonte de recursos, sobretudo quando o nível de poupança está baixo.

Quando um governo toma medidas expropriatórias contra uma propriedade de estrangeiros, como é o caso das nacionalizações, não está em causa a soberania do país, não é isso que se discute. Expropriar é um direito que qualquer Estado tem e é garantido não só pelas leis internas do país expropriante, mas também (e sobretudo) pelo Direito Internacional. O que se discute nesses casos é o valor da indenização a ser paga, jamais a soberania do país.

Outro ponto a ser analisado é o foro de discussão e o marco jurídico a ser aplicado. O caso em questão provavelmente será discutido no Centro Internacional de Resolução de Diferendos sobre Investimentos (Cirdi), órgão pertencente ao Grupo Banco Mundial, uma vez que a Argentina ratificou a Convenção de Washington e aceitou a jurisdição do Cirdi para a resolução de conflitos sobre investimentos. Quanto ao marco jurídico, existe um Tratado Bilateral de Investimento (TBI) entre Argentina e Espanha e é sob a égide desse tratado que se resolverá o conflito, cabendo às regras do Direito Internacional o esclarecimento da questão e a determinação da quantia a ser paga como indenização.

Por último, deve-se atentar para o fato de que a medida argentina visa apenas e tão-somente às ações de propriedade da Repsol, e as demais ações da YPF pertencem a nacionais argentinos. Assim, o ato expropriatório vislumbra-se discriminatório do ponto de vista dos sócios da Repsol e em relação aos demais operadores dos hidrocarbonetos na Argentina. E, nesse caso, a medida pode vir a ser declarada ilícita, sob a perspectiva do Direito Internacional – mais um fator negativo para a Argentina.

Tatyana Scheila Friedrich é professora doutora de Direito Internacional na UFPR; Rosicler Santos é advogada e mestra em Direito Internacional pela Universidade de Coimbra.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]