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A Assembleia Legislativa do Paraná discute a proposta de aumento da tabela de custas dos cartórios, veiculada no Projeto de Lei n.º 862/07 da Presidência do Tribunal de Justiça. Os cartorários – com representantes no Poder Legislativo sustentam a defasagem do valor. A OAB, noutra ponta, sustenta que os valores já são excessivos. O problema é que se trata de um verdadeiro diálogo de surdos. Não há nenhum critério objetivo de aferição do valor. E sem critério objetivo, prospera apenas a pressão. De lado a lado, legítima ou não.

Estudo recente da Fundação Getulio Vargas para a Secretaria de Re­­forma do Judiciário do Ministério da Justiça revelou que os cartó­­rios são responsáveis por 80% dos atrasos nas ações judiciais. Ainda assim, revelou o mesmo estudo, os cartórios são "invisíveis" para o sistema. Dezenas de leis reformaram o Código de Processo Civil, quase todas orientadas para garantir a celeridade. Nenhuma preo­­cupação, no entanto, com os cartórios judiciais. A renovada promessa constitucional de razoável duração do processo (EC 45/2004) pressiona juízes e tribunais. Já os cartórios seguem incólumes, realmente como atores invisíveis da prestação jurisdicional.

No Paraná, com seu sistema híbrido (metade privado; metade estatal), a situação é ainda pior. O nível de informatização é ri­­sível. A lógica do acompanhamento processual pela internet (ge­­rida por uma entidade privada), além de anacrônica, não tem nenhum padrão. Depende de cada cartório, em linguagem de ba­­bel. Há marcos definidos em lei para que os cartórios cumpram seus prazos (para publicar, para expedir, para certificar etc.), mas ninguém sabe se são cumpridos ou não. Alguns processos tramitam rapidamente; outros ficam esquecidos. O im­­pulso não é oficial; é, muitas vezes, perigosamente oficioso. Em uma mesma comarca, há cartórios que funcionam bem; outros de forma calamitosa. A atual gestão da OAB Paraná, em ótima ini­­ciativa, consultou os advogados e constatou um descontentamen­to geral com os serviços. Embora os números reais não sejam revelados, a arrecadação (sabemos todos) é flagrantemente excessiva em alguns casos; aparentemente adequada noutros, como nas pequenas comarcas de entrância inicial.

Como se discutir aumento de custas neste cenário? Parece incrível que seja assim, mas seria o mesmo que a concessionária de energia solicitasse reajuste da tarifa para a Aneel sem respaldo em planilha alguma. Apenas com fundamento em um discurso. É isso que pretendem os cartorários: aumento respaldado em pura pressão política. Escondida a planilha, tornada secreta na conveniência de um jogo de influência que pretende sensibilizar a Assembléia. Nem se alegue que se trata apenas de um reajuste. Sem que se revele a base de cálculo real do valor reajustável (só possível com transparência), qualquer porcentual se revelará obscuro.

É preciso reconhecer que a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Paraná começou a mudar esta realidade. Nos últimos três anos promoveu um diagnóstico sério do regime de funcionamento dos cartórios do estado. Aqui os cartórios perderam a "invisibilidade", contrariando a lógica nacional flagrada pelo estudo da FGV. O primeiro passo foi desvendar as receitas. Surgiu daí o Provimento n.º 140, a obrigar os cartorários ao recebimento exclusivo por intermédio de guia oficial. A reação dos cartorários foi imediata, com impetração de mandado de segurança, resultando na suspensão do ato. A Corregedoria precisou recorrer ao STJ para restabelecer os efeitos do Provimento. Agora as receitas aparecerão. Outros provimentos criaram ferramentas inéditas para aferição do cumprimento dos prazos pelos cartórios, com mecanismos que garantem a transparência (todos poderão acompanhar e comparar o ritmo de andamento dos processos). Foram ainda concebidas obrigações de estrutura mínima para o atendimento. É espantoso (é a palavra que cabe), mas os cartórios não tinham nenhuma obrigação de manutenção de uma determinada estrutura. Agora passam a ter. Em muitos casos os cartórios, sem nenhum parâmetro pré-definido, contratam e pagam (quando querem; como querem) os assessores dos juízes, criando uma imprópria relação de dependência! Os juízes devem ter estrutura para atender à demanda, sobretudo nas varas cíveis. E isso só se resolve com assessoria adequa­­da. E necessariamente institucional. Enfim, a Corregedoria está fa­­zendo a sua parte. Mas isso leva tempo. Sobretudo porque neste campo nada é realizado sem boa dose de resistência.

E o aumento das custas? Como mencionado antes, sem que o novo regime seja integralmente implementado, sobretudo com controle de receitas e despesas, tratar de aumento é subscrever uma proposta articulada no escuro. Pode ser que o valor atual seja alto; pode ser que seja baixo. Ninguém sabe ao certo, mas a resistência dos cartorários em dar transparências às receitas pode ser uma boa pista de que a razão deve estar com a OAB do Paraná!

Luiz Fernando C. Pereira, doutor e mestre em Direito pela UFPR, é professor da graduação e da pós-graduação da Unicuritiba e do Instituto Romeu Bacellar e advogado em Curitiba

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