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Monopólios são situações de fato em que existe apenas um agente no polo da oferta: todos a ele se submetem. Daí que o monopolista também "fabrica" o preço, a agenda da produção e o nível de qualidade. Pouco importa, portanto, se os usuários apreciam (ou não) o bem ou o serviço fornecido. Eles não têm escolha. Basta que imaginemos qual seria a solução se, a partir de amanhã, a água que sai das nossas torneiras começasse a chegar malcheirosa – ou em cores opacas. Será inviável comprar água engarrafada e tomar banho de caneca todos os dias – precisaremos nos adaptar. Logo, se o monopólio é o paraíso do empresário, ele é também o inferno do consumidor. Nada pode ser menos democrático do que um monopólio.

Mas fato é que não existem só monopólios econômicos. As situações monopolísticas se reproduzem em outros setores da vida social – e, dentre elas, está a ideia que temos do Legislativo. Desde a Republicana de 1891, todas as Constituições brasileiras celebram a separação dos poderes, incutindo a ideia de que só quem pode legislar é o Parlamento. Isso tornou lugar comum a crença de que as leis são um monopólio do Poder Legislativo. Contudo, a realidade é muito mais rica que as crenças.

Assim, o Legislativo julga (pense-se no impeachment, CPIs e cassações) e executa as leis (licitações, contratações de servidores). Igualmente, o Executivo e o Judiciário legislam (reflita-se a propósito das medidas provisórias, resoluções das agências reguladoras, regimentos internos dos tribunais e ações de controle de constitucionalidade). E também há normas e julgamentos vindos de fora, que aqui se aplicam: as convenções e os tribunais internacionais. Todos esses casos trazem o mesmo problema: a enorme distância entre a população e os processos decisórios. Mais recentemente, isso começou a ser atenuado por meio de audiências e consultas públicas – que, aos poucos, passaram a habitar nosso cotidiano: orçamento participativo, audiências em licitações, consultas para as resoluções das agências, plano diretor das cidades etc.

Porém, o assunto assumiu outra intensidade a partir do fim do mês de maio, quando um decreto presidencial instituiu a "Política Nacional de Participação Social", que se destina à participação direta da sociedade na formulação, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Haverá conselhos populares a instituir, discutir e controlar políticas públicas. Contra esse decreto houve forte reação, eis que ele implicaria a usurpação de "prerrogativas" do Congresso. Foi inclusive apresentado projeto de decreto legislativo para revogá-lo. Contudo, o debate está fora de foco: ele ataca o todo quando, verdade seja dita, o complicado está no método escolhido pelo decreto – que tende a centralizar no Executivo o funcionamento dos colegiados e a escolha de alguns de seus membros (o que pode vir a corromper a efetiva participação de todos). Se permanecer assim, as conquistas democráticas e participativas não serão efetivadas – mas podem ser dirigidas. Talvez, inclusive, as coisas fiquem ainda piores: uma pseudodemocracia em que os participantes poderiam ser escolhidos e pautados pela direção central do Executivo.

De qualquer forma, o tema merece ser levado a sério: o decreto institucionaliza o efetivo exercício de direitos da cidadania, que aproximam o destinatário final da formulação e supervisão de políticas públicas. Este é um marco extremamente positivo. Porém, será bem pouco democrático se apenas pretender substituir um monopólio por outro.

Egon Bockmann Moreira, advogado e doutor em Direito, é professor da Faculdade de Direito da UFPR.

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