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Imagem ilustrativa.| Foto: Mayke Toscano/Gcom-MT

Neste novembro de 2020, há uma intensa sucessão de notícias sobre mudanças climáticas e sobre oportunidades de se fazer negócios sustentáveis. Há poucos dias, cumprindo promessa feita em 2017 pelo atual presidente Donald Trump, os Estados Unidos formalmente deixaram o Acordo de Paris, a iniciativa global na qual vários dos países signatários comprometeram-se com metas concretas de neutralização de emissões de carbono. Algumas dessas metas são muito arrojadas, como a da Nova Zelândia, que prometeu ser neutra em carbono já em 2030, o que se mostra perfeitamente possível devido ao exemplo do Butão, que é um país “carbono negativo”, pois captura mais do que emite para a atmosfera.

Ao mesmo tempo em que ocorria o recuo norte-americano, outras potências divulgaram exatamente o contrário: o Japão assumiu uma meta de neutralização total até 2050 e a China, até 2060. Coincidência ou não, o resultado da apuração nas eleições nos Estados Unidos indica que haverá mudanças na Casa Branca e Joe Biden provavelmente será o próximo presidente. Isso é muito relevante, pois os democratas vêm propondo um “New Green Deal”, com o objetivo justamente de alavancar a retomada econômica pós-crise causada pela pandemia da Covid-19 a partir de negócios sustentáveis de baixo carbono. Enfim, esse movimento internacional sinaliza claramente uma tendência, em que pese existir aqui e ali, ainda, alguma força política retrógrada e isolada resistindo ao avanço.

Nesse contexto, o Brasil infelizmente mostra suas contradições: ao mesmo tempo em que registra um aumento injustificável nos índices de desmatamento e de queimadas, que são as maiores fontes de emissões nacionais, teve, por outro lado, um sucesso muito relevante no lançamento de seu primeiro mercado regulado de carbono.

Nele se negociam os CBios, os certificados emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis, criados para que os distribuidores de combustíveis fósseis possam adquiri-los, diminuindo assim a intensidade de carbono de suas respectivas operações, segundo metas definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética estabelecidas neste ano de 2020. Inclusive, com a definição da carga tributária incidente sobre as operações com CBios, chegou, enfim, a segurança jurídica necessária para o programa Renovabio e os preços dos CBios, inicialmente cotados a R$ 20, chagaram a mais de R$ 60, sendo que este é considerado mais próximo do real valor da tonelada de carbono evitado.

Aliás, comparando-se esse preço com o de outros títulos equivalentes que circulam no mercado mundial, o CBio saiu do valor praticado em mercados voluntários (por volta de US$ 4 a tonelada de carbono) e atingiu um terço do valor praticado em mercados regulados do Hemisfério Norte (US$ 30). A propósito, alguns desses mercados regulados já reconhecem inclusive a fungibilidade entre os títulos representativos de toneladas de carbono evitado, como é o caso da integração Califórnia-Quebec. Isso significa que, se o mercado regulado brasileiro obtiver o reconhecimento apropriado, o preço dos CBios pode praticamente triplicar, acompanhando os preços internacionais, trazendo assim vantagens muito significativas para os novos negócios sustentáveis e de baixo carbono.

Com efeito, o sucesso que o Renovabio já alcançou e as perspectivas mundiais favoráveis sinalizam que o contexto é propício para outros avanços da economia de baixo carbono. E, por sua vez, as maiores empresas privadas brasileiras vêm se articulando muito fortemente nesse sentido. Basta ver o que o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) vem fazendo em apoio a um novo mercado regulado de carbono brasileiro, cuja criação está sendo ora gestada pelo Ministério da Economia, numa iniciativa conjunta com o Banco Mundial (instituída pela Portaria 853/2015 do então Ministério da Fazenda) e que, segundo as informações mais recentes, está em fase de validação interna de um “white paper” contendo as linhas gerais da proposta, a qual será, enfim, colocada em consulta pública.

Em linhas gerais, a proposta rejeita um tributo sobre as emissões de carbono, como o que foi adotado em outros países. Os setores econômicos emissores terão uma meta imposta de redução de suas emissões e licenças para emitir carbono até certo ponto e, caso sejam mais eficientes que as metas, poderão emitir títulos representativos de emissões reduzidas, de modo que possam ser comercializadas em balcão, em plataformas específicas ou ainda em bolsa (como passou a ocorrer com o CBio). E, assim, outros agentes não tão eficientes, mas também obrigados a reduzir emissões, poderão adquirir esses títulos, de modo a reverter recursos financeiros para os primeiros, criando assim um ciclo virtuoso.

O passo decisivo para a instalação desse novo mercado regulado é uma contabilidade confiável de emissões. Nesse sentido, é importante mencionar a iniciativa “GHG Protocol”, conduzida no Brasil com o suporte da FGV e que, por sua vez, já passou a contar com a participação de várias das grandes empresas brasileiras que contabilizam e divulgam há anos seus relatórios de emissões, as quais incluem não somente as suas próprias, mas também as das suas fontes de energia e até mesmo as de fornecedores e membros da cadeia logística, o que mostra o nível de maturidade que uma parcela expressiva das maiores empresas brasileiras já alcançou neste tema.

Outro elemento muito relevante e que sinaliza o compromisso do Estado brasileiro com uma economia de baixo carbono é o recentíssimo Decreto Federal 10.531, de 26 de outubro de 2020, que instituiu a estratégia para o desenvolvimento do Brasil no período de 2020 a 2031 e que elencou formalmente a orientação de “ampliar e fortalecer instrumentos econômicos para a promoção de atividades de baixa emissão de carbono”. Afinal, não são poucas as oportunidades disponíveis no Brasil que podem gerar créditos de emissões reduzidas: seja na inovação tecnológica e na transição energética da indústria, deslocando combustíveis fósseis e adotando renováveis (cujo preço está cada vez mais competitivo), seja na captura de carbono na agricultura (o que também diminui custos com insumos), seja ainda na restauração de florestas, recuperação de áreas degradadas e outras formas de armazenagem de carbono.

Enfim, as bases econômicas, políticas, tecnológicas e jurídicas para o lançamento desse novo mercado regulado de carbono já estão todas postas: as maiores empresas brasileiras estão dispostas e preparadas para participar, o contexto internacional nunca foi tão favorável e o Estado tem à sua disposição os instrumentos normativos suficientes para criar a segurança jurídica necessária.

Rafael Ferreira Filippin é advogado e doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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