Nas últimas eleições norte-americanas, em novembro de 2018, foram eleitas quatro deputadas do Partido Democrata muito ativas em levantar assuntos polêmicos. Consideradas liberais, pelo menos duas delas são fortemente pró-palestinas, mas têm discurso muito antissemita. Elas são Ilhan Omar, muçulmana, nascida na Somália, e que aos 11 anos emigrou com os pais aos Estados Unidos e foi eleita por Minnesota. A outra é Rashida Tlaib, também muçulmana, nascida nos EUA de pais com origem palestina, eleita por Michigan. O quarteto é integrado também pela deputada democrata do Bronx (NY) Alexandria Ocasio Cortez, de 29 anos – a mais jovem do Congresso americano – e Ayanna Pressley, democrata de Massachusetts. As quatro são chamadas de “a Unidade” e têm causado muita polêmica, mesmo dentro de seu partido.
Por que escrevi no título que houve “provocações planejadas”? Omar e Tlaib fizeram questão de não integrar as delegações de mais de 70 deputados (mais de 15% do Congresso) dos partidos Democrata e Republicano que estiveram em visita a Israel. Como se trata de um país livre, qualquer visitante – e, claro, deputados de qualquer país – pode ir aonde quiser. Não há restrições. Mas ambas as parlamentares parecem não reconhecer a existência do Estado de Israel. Queriam entrar pelo Aeroporto Ben Gurion e dali, sem contato algum com o Ministério das Relações Exteriores de Israel, seguir para Ramallah.
O governo israelense ponderou muito se devia permitir a entrada no país de duas pessoas que falam abertamente em boicotar Israel a ponto de apoiar e incentivar o BDS (sigla para "Boicote, Desinvestimento e Sanções" contra Israel), pois quem apoia esta organização costuma ter a entrada vetada. Por um lado, seria o certo a fazer. Por outro, o efeito seria justamente o oposto: muitas manchetes na mídia mundial, com aqueles que são contra o país dizendo que Israel barrou as deputadas americanas porque esconde o que não quer que elas vejam. De certa forma, elas conseguiram o que queriam: manchetes e destaques.
É verdade que qualquer Estado soberano pode decidir quem o visitará ou não, e para tal ainda há vistos de entrada
Antes de as deputadas serem barradas, o deputado árabe-israelense Ayman Odeh, líder da Lista Árabe Associada, correu e se manifestou, dizendo que “um Estado que nada tem para esconder não pensaria em proibir a entrada de Ilhan e de Rashida (...) Esta é mais uma tentativa de esconder do mundo a realidade [local] e principalmente de nós”. É certo que o deputado Odeh sabe melhor do que ninguém que Israel não esconde nada de sua realidade. Ainda que o governo quisesse esconder algo, as coisas vazariam aos meios de comunicação. Odeh não tem nenhuma restrição para dizer tudo o que quer nas inúmeras entrevistas que dá à mídia israelense e internacional. Não teria este privilégio no Estado palestino ou em nenhum país árabe.
A viagem das deputadas foi intitulada “Tour na Palestina Ocupada”. Não na Palestina e em Israel, como fazem outras delegações estrangeiras quando vêm à região. Isto por um simples motivo. Elas pretendiam visitar o Monte do Templo, em Jerusalém; Hebron; Beth Lehem (Belém) e a barreira erguida para impedir a entrada de terroristas; e Ramallah, onde está a sede da Autoridade Palestina, ignorando a existência de Israel. As duas se expressam quase sempre condenando Israel e a favor da causa palestina, e não raramente são acusadas de antissemitismo. A deputada Tlaib encontra-se regularmente com americanos simpatizantes da extremista Irmandade Muçulmana e do Hezbollah, que também fazem parte do seu eleitorado. Michigan concentra a maior população muçulmana nos Estados Unidos. Ambas não queriam coordenar a viagem com representantes de Israel, não queriam nenhum contato com o embaixador israelense nos Estados Unidos e nem com funcionários da embaixada americana em Israel, que coordena as visitas de autoridades americanas ao país. Apesar disso, o embaixador de Israel nos EUA, Ron Dermer, achou que seria melhor deixá-las entrar.
A visita delas seria financiada por um instituto de pesquisa americano que voltou atrás. Outra instituição e algumas universidades americanas consentiram, então, em bancar “a visita aos territórios palestinos ocupados”. Elas também deixaram claro que não desejavam encontrar nenhuma personalidade israelense, nem mesmo deputados árabes-israelenses, sem mencionar que, ao visitar Jerusalém, não iriam ao Knesset, ao Yad Vashem e nem aos kibutzim em torno de Gaza. Para Israel, tal situação, “em americano”, se chamaria lose-lose situation: se permitisse a vinda delas, Israel teria uma situação perdida porque, fechando os olhos, as deputadas queriam ver apenas o que interessa à sua ideologia. Como Israel não permitiu a visita, o país foi muito criticado.
Em minha opinião pessoal, qualquer pessoa que se interessa pela região teria de vir e passar pelo menos alguns dias em Israel, estudar a situação dos israelenses e dos palestinos, e ver por si só a situação. Mas, neste caso, até o presidente dos EUA, Donald Trump, expressou sua decepção sobre a intenção de Israel em deixá-las entrar no país. "Isto demonstrará grande fraqueza do governo. Elas odeiam o Estado de Israel e o povo judeu, e nada as fará mudar de opinião. Elas são uma desgraça”, concluiu Trump. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, com um olho mirando seu eleitorado nas eleições do próximo mês e com outro olho no presidente Trump, querendo agradá-lo, decidiu impedir a entrada das duas deputadas americanas na região.
- Jerusalém, a capital de Israel (artigo de Szyja Lorber, publicado em 16 de abril de 2019)
- Israel, permanente valorização da educação e das novas tecnologias (artigo de Jacir J. Venturi, publicado em 6 de maio de 2019)
- Israel, a água e a solução de mercado (artigo de José Pio Martins, publicado em 14 de dezembro de 2018)
Certamente a imagem de Israel será danificada. Seus opositores irão compará-lo a países como a Coreia do Norte. Uma das pré-candidatas à presidência norte-americana pelo Partido Democrata, Elizabeth Warren, já disse que barrar as deputadas democratas de entrar em Israel é vergonhoso e um erro. Uma autoridade israelense justificou a ação do seu governo dizendo que "quem nega o direito de Israel a existir e clama por boicotá-lo não tem direito de vir a Israel. Elas planejaram ir com comitiva de ativistas do BDS e fazer provocações. Isto não acontecerá”.
O governo Netanyahu, que se identifica completamente com Trump e o Partido Republicano, fez Israel perder parte do Partido Democrata. Não devemos esquecer que Israel sempre teve a simpatia e o apoio dos dois partidos norte-americanos e que a maioria dos eleitores judeus americanos é democrata e, agora, está confusa. Israel não pode se dar ao luxo de perder o grande apoio bipartidário dos Estados Unidos.
Duas deputadas sem expressão, recém-eleitas em novembro de 2018, conseguiram se projetar no seu partido e unir congressistas democratas que, à sua revelia, mas por coleguismo, as defenderam e criticaram a atitude “antidemocrática” de Israel. É verdade que qualquer Estado soberano pode decidir quem o visitará ou não, e para tal ainda há vistos de entrada. As duas deputadas conseguiram alcançar seu objetivo mesmo sem chegar à região. Conseguiram se promover através da provocação e prejudicar o conceito de Israel.
Note-se ainda que a deputada Rashida Tlaib tem familiares na Cisjordânia e foi avisada de que, apesar de ser favorável ao BDS contra Israel, teve concedida sua entrada por razões humanitárias e poderia visitar sua família. Mas, assim que soube disso, desistiu de viajar.
David S. Moran é jornalista, vive em Israel e escreve uma newsletter semanal de notícias e análises sobre o Oriente Médio.
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