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Ensino híbrido
Imagem ilustrativa.| Foto: Shutterstock

Com o início da discussão sobre o Marco Legal da Inteligência Artificial (IA) na Câmara dos Deputados, um outro debate se tornou premente: a capacitação e o letramento digital para preparar os trabalhadores para as novas profissões que começam a surgir com o uso de IA. Assim como a Revolução Industrial tornou algumas atividades obsoletas com a mecanização, a revolução digital também deve extinguir empregos. Porém, a boa notícia é que vai criar oportunidades em uma escala muito maior.

Pesquisa do Fórum Econômico Mundial publicada em 2018 mostra que, até 2022, 75 milhões de postos de trabalho serão fechados no mundo em função da IA. No entanto, no mesmo período, a organização estima que 133 milhões de novas vagas serão criadas, com saldo positivo de 58 milhões de empregos abertos até 2022.

Para surfar na onda da Inteligência Artificial, no entanto, é preciso aprimoramento profissional e isso exige investimento. O sistema educacional tem de acompanhar as alterações na sociedade para que não ocorra carência de mão de obra especializada para esses novos cargos. Ainda hoje, em plena era da informática, existe uma enorme lacuna a ser suprida. Segundo estudo da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom), o setor deve demandar 420 mil profissionais até 2024. No entanto, a média de profissionais formados anualmente no país é de apenas 37 mil. Mas isso é passível de correção.

Com a revolução tecnológica, trabalhos que se baseiam em processos repetitivos e previsíveis têm alta probabilidade de passarem a ser executados por computadores, programas ou aplicativos. A nova indústria que desponta requer pessoal capacitado para operar, compreender e desenvolver softwares e hardwares cada vez mais eficientes e modernos. E funções que exigem habilidades exclusivamente humanas, como empatia e criatividade, serão ainda mais requisitadas. Direcionar esforços para capacitar profissionais para este novo mercado de trabalho, portanto, é fundamental.

Por isso, é imprescindível educar, desde a tenra infância, para o letramento digital, inserindo a futura mão de obra no mercado digitalizado em franco desenvolvimento. Também é preciso incentivar e motivar os adultos, que ainda não estão preparados, a entrarem no mercado de trabalho digital. É nesse contexto que governos e organizações devem impulsionar a disseminação da capacitação.

Existem vários tipos de incentivos em curso pelo mundo. Uma modalidade é a dos concursos públicos, na qual governos criam instituições a fim de treinar jovens desempregados em competências de alta demanda. Os órgãos públicos abrem licitações, estabelecendo formatos e composições de rastreio do treinamento, para as instituições de ensino se candidatarem, definindo preços e quantidade de alunos. Um exemplo ocorre no Chile: a iniciativa Talento Digital prevê o treinamento de 16 mil pessoas até 2022. Programa semelhante, o ProInnovate acaba de estrear no Peru.

Outra proposta são centros de emprego que financiam o treinamento de desempregados. Cabe ao setor público decidir quem contemplar. Os centros devem ser certificados e os treinamentos, homologados. O sistema Bildungsgutschein funciona na Alemanha, onde é possível financiar até 100% da qualificação ou 50% se a empresa precisar requalificar funcionários. No Canadá, a saída encontrada foi o incentivo fiscal, com o qual o aluno consegue abater parte do investimento de seu treinamento no imposto de renda.

O exemplo que vem de Cingapura é o crédito universal. Por meio do sistema SkillFuture, o governo financia, a todo cidadão acima de 25 anos, uma vez na vida, o valor aproximado de US$ 380 para ser gasto em treinamento profissional. Agora, durante a pandemia, o valor foi dobrado e pode ser utilizado até 2025. Há, ainda, o incentivo via conta poupança pessoal, no qual o governo autoriza o uso de fundos obrigatórios, como previdência ou seguro-desemprego. Esse modelo é usado na França, onde o sistema Compte Personnel de Formation controla, via plataforma digital, tanto o saldo quanto a escolha do treinamento, que pode ter até 40% de financiamento. No Canadá, há mecanismos semelhantes de desbloqueio da conta de previdência.

O Brasil, que dá os primeiros passos rumo ao Marco Legal da Inteligência Artificial, pode usar os exemplos existentes no mundo para criar um sistema próprio de incentivo ao letramento digital e, assim, não perder a janela de oportunidade que a IA abre no mercado de trabalho no contexto digital.

Um marco de letramento digital no Brasil deve abordar diversas frentes. É fundamental, no que compete à gestão pública, definir metas e métricas para o letramento digital nas diferentes esferas federativas. É preciso premiar programas municipais e estaduais e, ainda, garantir aos gestores da educação autonomia para firmarem parcerias entre escolas públicas e entidades privadas.

O letramento digital infantil deve focar na formação de professores, e, inclusive, propiciar a graduandos de engenharias a capacitação para lecionar. Entretanto, o mais importante é aprofundar o debate na Base Nacional Curricular Comum e na Lei de Diretrizes e Bases nos pontos que tocam o letramento digital.

Na esfera profissionalizante há alternativas, como liberar recursos via Fundo de Financiamento Estudantil ou Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), ou mesmo por meio de investimentos das empresas em bootcamps, treinamentos intensivos de curto e médio prazos focados em programação e outras habilidades tecnológicas. Para isso, seria necessário certificar de maneira eficiente tais cursos.

Por fim, na frente de batalha da infraestrutura, incentivos para que órgãos públicos e o setor privado possam ceder seus espaços e equipamentos para as atividades relativas ao letramento digital têm potencial para garantir, enfim, conectividade na ponta. A missão não será fácil, mas o objetivo é nobre: desenvolver os marcos do aprendizado da Era Digital.

Luísa Canziani é deputada federal (PTB-PR), coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Economia e Cidadania Digital e relatora do PL 21/2020, que cria o Marco Legal do Desenvolvimento e Uso da Inteligência Artificial.

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