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Quantas latinhas de alumínio precisaremos reciclar para compensar um padrão de consumo no qual carros com dois anos de uso são considerados pela classe média de um país emergente como velhos?

O fracasso da negociação sobre o clima em Copenhagen vai entrar para a história como uma das maiores frustrações do ano de 2009 em todo o mundo. Em parte isso pode ser explicado pelo grau extremamente elevado de expectativas que se criou em torno das negociações. O fracasso não pode, no entanto, ser creditado somente à incapacidade da ONU em resolver questões globais. A natureza do problema é mais séria, a ponto de não ser exagerado prever que a próxima rodada de negociações, a ser realizada na Cidade do México, tem grandes chances de ser mais um fiasco.

Copenhagen tornou patente a falta de comprometimento – sobretudo dos grandes emissores de gases responsáveis pelo efeito estufa, com destaque para EUA e China – com um acordo de fato bom para o planeta. Ao defender seus interesses nacionais, os grandes emissores impediram qualquer avanço significativo no combate ao aquecimento global. A razão para esta intransigência de boa parte dos países é simples: reduções significativas na emissão de gases poluentes implicam maiores custos de produção e alterações profundas no padrão de consumo de nossas sociedades.

É preciso lembrar que o objetivo central do modo de produção capitalista é a acumulação de capital, que depende da capacidade de geração e apropriação de lucro pelos capitalistas. A geração de lucro depende essencialmente da realização dos gastos com aquisição de bens e serviços. Não deve ser novidade que a criação de novas "necessidades" de consumo é parte essencial deste modo de produção, pois é através dela que mantém-se o ímpeto para novos gastos com consumo. O problema, pelo menos para grande parte da comunidade científica que estuda o tema, é que esta geração de bens e serviços está exaurindo os recursos naturais disponíveis e alterando de forma irreversível as condições climáticas do planeta. Reduzir entre 40% e 50% a emissão de gases que geram o "efeito estufa" é uma missão complexa e que não poderá ser alcançada apenas com boa vontade. Será necessária uma profunda alteração em nossos hábitos de consumo.

Exemplos são sempre salutares para a compreensão do tema. Outro dia ouvi uma amiga de minha esposa dizendo que há algum tempo separava as latinhas de alumínio para reciclagem. Era uma de suas contribuições para evitar o aquecimento global. Poucos minutos depois ela confessava que havia trocado de carro, já que o dela, com dois anos de uso, estava "velho". É claro que a reciclagem de latinhas de alumínio deve ser incentivada; trata-se uma ação importante e na qual, diga-se de passagem, o Brasil ocupa liderança em nível mundial. No entanto, a pergunta que deveríamos fazer é: quantas latinhas de alumínio precisaremos reciclar para compensar um padrão de consumo no qual carros com dois anos de uso são considerados pela classe média de um país emergente como velhos?

O exemplo acima apenas demonstra como não nos damos conta dos efeitos de nosso padrão de consumo. A reciclagem de latinhas deve ser incentivada, mas se pretendemos reduzir significativamente a emissão de gases que geram o efeito estufa, precisaremos de mudanças mais profundas no padrão de consumo e de produção de nossa sociedade. A pergunta que devemos fazer neste caso é se estamos dispostos a alterar o nosso comportamento enquanto consumidores e produtores de bens e serviços.

O modo como produzimos os bens é outro aspecto essencial. A China é hoje uma grande manufatura de escala global. Sozinha detém quase 10% das exportações mundiais. Vale lembrar que em 1980 sua participação não chegava a 1% dessas exportações. Foi essa capacidade de vender para o resto do mundo que permitiu que os chineses crescessem a uma taxa média de 9% a.a nos últimos vinte anos.

No entanto, há alguns anos poucos davam importância ao fato de que a China tem na queima de carvão a base de sua matriz energética, o que tornou o país o segundo maior emissor de gases que geram o efeito estufa, ficando atrás apenas dos EUA. Estamos dispostos a pagar mais caro por bens e serviços produzidos por matrizes energéticas limpas? Levamos em consideração esse aspecto em nossas decisões cotidianas de consumo?

A Assembleia dos Ratos é uma fábula do grego Esopo, que conheci através de Monteiro Lobato, que conta a decisão de um grupo de ratos de colocar um guizo no pescoço de um gato que estava dizimando os pobres ratinhos. A ideia de colocar o guizo foi aceita com grande entusiasmo até o momento em que um dos ratos resolveu fazer a pergunta capital: mas quem vai colocar o guizo no gato? Em Copenhagen todos pareciam estar convencidos da necessidade de medidas contundentes contra o aquecimento global. Faltou apenas achar quem estivesse disposto a colocar o guizo no gato.

Marcelo Curado, economista, é vice-diretor do setor de Ciências Sociais Aplicadas da UFPR.

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