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| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

Há algo dos Estados Unidos de 1831 descrito por Alexis de Tocqueville em A Democracia na América no interior do Paraná. Resultado da viagem de nove meses do jovem aristocrata francês pelo Novo Mundo, a obra traz a percepção – ora com assombro, ora com admiração – de Tocqueville sobre a realidade social e política da América, naquela altura uma nação independente havia 55 anos.

Guardadas todas as prudentes proporções, as semelhanças se iniciam pela própria colonização. Na América ou nos três planaltos paranaenses, o desbravar da terra se deu a partir dos colonizadores, gente vinda de outros lugares disposta a iniciar uma nova vida longe de casa. Homens, como dizia Tocqueville, com espírito “empreendedor, aventuroso e principalmente inovador”.

O efeito mais notório dessa colonização e aquele que mais impactou Tocqueville na América diz respeito à força do associativismo – ou comunitarismo, como dizem os teóricos. Representante da aristocracia do antigo mundo, Tocqueville impressionou-se com o mundo de iguais da América e sua capacidade de agirem juntos. “Mal desembarcamos no solo americano, vemo-nos no meio de uma espécie de tumulto; de todas as partes eleva-se um confuso clamor; mil vozes chegam ao mesmo tempo aos nossos ouvidos, cada qual a exprimir algumas necessidades sociais. Em nossa volta, tudo se movimenta: aqui é povo de um bairro que se reúne para saber se há de se construir uma igreja; ali, trabalha-se para escolher um representante; mais além, os delegados de um cantão dirigem-se à cidade a toda pressa a fim de deliberar sobre certos melhoramentos locais; noutra parte são os agricultores de uma aldeia que abandonam seus arais para ir discutir o plano de uma estrada ou de uma escola. Reúnem-se cidadãos com a finalidade exclusiva de declarar que desaprovam a marcha do governo”.

Para Tocqueville, os jornais eram uma luz que guiava “um grande número de homens que têm o desejo ou a necessidade de se associar”

Nesse ponto, a América de Tocqueville encontra eco no Paraná profundo. Não por acaso, o Paraná registra o maior número de observatórios sociais do Brasil. O pioneiro, de Maringá, deu vazão a uma cultura participativa na cidade que, ano após ano, coloca o município no topo dos índices sociais e econômicos do país. Em Londrina, a organização da sociedade no Movimento “Pé Vermelho e Mãos Limpas” foi fator determinante no enfrentamento da corrupção. Mais numerosas no Oeste e Sudoeste, mas presentes em todo o estado, as cooperativas implantaram um modelo de negócio tipicamente paranaense que se tornou um caso de sucesso econômico. Neste caso em específico, a frase de Tocqueville caberia à perfeição para definir o cooperativismo paranaense: “Em toda parte, onde à frente de uma empresa nova vemos na França o governo e na Inglaterra um grande senhor, tenhamos certeza de perceber, nos Estados Unidos, uma associação”.

Há ainda conselhos de segurança, associações comerciais, empresariais e sociedades rurais participativas e empenhadas; há entidades de trabalhadores, grupamentos com caráter festivo, religioso e cultural, ou, como diz Tocqueville, em outra comparação que serve tanto lá como cá: “Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espécies religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas; os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edificar igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas”.

A falta da imprensa

Há, no entanto, um aspecto fundamental dos Estados Unidos descrito por Tocqueville que não se aplica à realidade paranaense. Em A Democracia na América, o autor trata da importância da imprensa para a saúde do sistema político americano. Tocqueville via com admiração a quantidade e a pluralidade dos jornais americanos. “Quase não há um povoado que não tenha seu jornal”, escreveu, para então complementar: “Nos Estados Unidos cada jornal tem, individualmente, pouco poder; mas a imprensa periódica ainda é, depois do povo, o primeiro dos poderes”.

Leia também: Os riscos para a democracia em nível local (editorial de 6 de junho de 2018)

Nossas convicções: O valor da comunicação

Nesse sentido, parece haver uma lacuna no estado. O estudo Atlas da Notícia, do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) em parceria com a ONG Volt Data Lab, revela que o Paraná é apenas o nono estado em número de veículos (jornais impressos e on-line) por 100 mil habitantes. A vizinha Santa Catarina lidera o ranking com 8,8 veículos por 100 mil habitantes, ante 3,3 no Paraná. Não é preciso teorizar em excesso a importância dos jornais para as democracias. Tocqueville, inclusive, relacionava a própria existência do associativismo à proliferação de jornais. Para ele, os jornais eram uma luz que guiava “um grande número de homens que têm o desejo ou a necessidade de se associar” e que não o faziam “porque eram todos muito pequenos e perdidos na multidão”. “Nunca se veem e não sabem onde se encontrar. É quando surge o jornal para expor aos olhares o sentimento ou a ideia que se apresentara simultaneamente, mas separadamente a cada um deles”.

A crise pela qual passa o modelo de negócios da imprensa é grave, sem dúvida. Mas nada explica o estado ter o quarto PIB do Brasil e a nona posição entre jornais por habitante. Tocqueville dizia que não “há associação democrática que possa passar sem um jornal”. Talvez seja hora, quem sabe, de as diversas entidades associativas apostarem nos jornais locais. A luz do jornalismo, afinal, precisa “iluminar os espíritos errantes”. Na América de 1831 e no Paraná de agora.

Guilherme Voitch é jornalista.
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